O Taxidermista
Saio do trabalho tarde, lá pelas onze da noite. Já tinha observado, no ponto, enquanto esperava o ônibus, um senhor de bengala que costuma estar sempre ébrio, e costuma estar sempre batendo papo com alguém que ele certamente não conhece e que certamente preferiria ter sua paz não-perturbada pelo tal indivíduo.
Eu, que sempre prefiro ter minha paz não-perturbada por senhores bêbados que, no geral, são chatos e não largam mais do pé depois que você dá trela; eu, que não sou de dar muito papo pra esse tipo de gente, sempre me preocupava em manter uma distância segura da bengala bêbada desse sujeito.
Um dia, contudo, me distraí e quando percebi a proximação dele já era tarde demais. Veio até mim e perguntou se eu sabia jogar xadrez. Respondi que sim, e pensei que, talvez, saber as regras não significava exatamente saber jogar. Mas isso eu não disse a ele. Respondi apenas que sim, ele se mostrou contente com a resposta e disse que ia me fazer outra pergunta. Ok, manda. Ele mandou:
- O que é um Taxidermista?
Percebi que ele não perguntava movido pela curiosidade. Tinha um olhar de desafio, de perfeita confiança. Ele obviamente sabia a resposta, e, supeito eu, tinha a crença de que eu certamente não saberia o que queria dizer o palavrão. Poderia ter respondido simplesmente "não", e ele certamente ficaria bastante contente em me explicar e ao mesmo tempo demonstrar que domina perfeitamente o vocabulário da nossa língua. Poderia ter feito isso, mas não fiz. Respondi com o significado de Taxidermista.
Enorme, a alegria do homem. Ele não acreditava nos próprios ouvidos. "Você acertou, você acertou!", ele repetia, entusiasticamente. Depois me disse: "O dia inteiro eu perguntei para cada pessoa que encontrava o que era taxidermista, e ninguém soube responder. Você foi o primeiro. Parabéns." e me estedendeu a mão, a qual apertei contente. Minha carona havia chegado, então eu o deixei. E ele ficou lá, ainda sorrindo.
De vez em quando cruzo com ele, ele anda aqui nas redondezas. Sempre bêbado, sempre com a bengala, sempre com um casaquinho de lã. Não é desses velhos bêbados sujos, pelo contrário, é bem limpinho. Não veio mais falar comigo, talvez nem se lembre de mim. Por onde passa, as pessoas olham-no com aquele olhar as vezes de pena, as vezes de um certo medo. Eu não. Eu sorrio e penso: "lá vai um sujeito que sabe o que é um taxidermista".
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