Tuesday, May 17, 2005

Guerra em campo

O esporte coletivo surgiu pra substituir a guerra no imaginário popular, quando a guerra deixou de ser algo glorioso e belo com alguns detalhes desagradáveis para se tornar algo repulsivo e imoral com alguns momentos de glória. Futebol (principalmente), basquete, vôlei, rugby, you name it, são todos metáforas para a guerra. A Copa do Mundo é uma guerra curta e sangrenta, em que exércitos inteiros são dizimados numa única batalha; campeonatos de pontos corridos são guerras longas, sofridas, em que cada batalha dá ao vencedor uma pequena vantagem territorial que precisa ser sustentada e expandida por outras pequenas batalhas para levar à vitória final.

Quem diz que não gosta de futebol porque não vê motivo para assistir a vinte homens correndo atrás de uma bola não tem imaginação: não consegue relacionar o cruzamento de Del Piero, de bicicleta, para o gol de Trezeguet que deu ao Juventus a vitória contra o Milan, em Milão, naquela que foi provavelmente a partida decisiva do Campeonato Italiano 2004/2005, com um ataque desesperado de um soldado a um ninho de metralhadoras, desarmando a principal defesa das linhas inimigas e permitindo a conquista da Normandia pelos aliados. Quem gosta tanto de futebol a ponto de bater em quem não torce para o seu time, por outro lado, não sabe impor limites à sua imaginação. No primeiro caso, a metáfora não é compreendida; no segundo, ela invade a realidade.

Podem dizer que a ausência de carnificina no esporte o torna muito menos glorioso do que a guerra: o sacrifício de um jogador de vôlei que finge cortar a bola para atrair o bloqueio adversário enquanto outro jogador faz o ataque é repetido tantas vezes ao longo de um jogo que muito da sua força se perde. É claro, o sacrifício de um kamikaze é muito maior, e poucos gols são tão gloriosos quanto uma morte na batalha (embora poucas mortes sejam tão gloriosas quanto aquele gol do Rondinelli); mas entre um evento glorioso e sangrento e uma representação do evento, menos gloriosa e bem menos sangrenta, fico com a aproximação.

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