Simplesmente amor ou Em defesa de um filme simples
Não tenho nada contra a pretensão, mas admiro quem é saudavelmente, até humildemente despretensioso. E não tenho nada contra filmes complicados, mas mas admiro filmes franca e despudoradamente simples.
Simplesmente amor pode não ser a tradução mais correta possível para Love actually - traduttore, traditore, essa aposto que vocês não conheciam - mas é um título que descreve muito bem o filme. É sobre amor, aquele sentimento que gente inteligente costuma tratar com cinismo por puro medo. Essa é uma das qualidades dos filmes simples: eles não têm medo de pender pro brega, de pecar por excesso de bondade. Meu lado poliana gosta dessa tendência, ainda que eu me irrite, como qualquer um, quando o filme é muito brega. Mas celebrar o amor exige muito mais coragem do que o ironizar.
Um filme simples como Simplesmente amor não está livre de defeitos: algumas das muitas histórias paralelas são tão curtas e tão desligadas das outras que poderiam ser cortadas, como a do casal de dublês ou do cara que gosta da esposa do melhor amigo. A história do inglês que vai para os Estados Unidos porque garotas americanas não resistem ao sotaque britânico entra nessa categoria, mas ela é tão deliciosamente idiota que merece ficar no filme.
Um filme simples pode dispensar vilões e tramas sofisticadas e sobreviver tranquilamente do drama de pessoas comuns. Se é para ter um vilão no filme, que ele seja o presidente dos Estados Unidos, não apareça em mais do que cinco cenas e seja humilhado pelo Primeiro Ministro da Inglaterra numa entrevista coletiva totalmente inverossímil e interpretado por Billy Bob Thornton, que parece estar desinteressado até que você percebe que ele de alguma forma conseguiu diminuir as próprias pupilas para ficar mais parecido com o Bush.
Como já tocamos no assunto, um filme simples pode dispensar a verossimilhança quando quiser, sem nenhum compromisso com a coerência. O Primeiro Ministro pode sair na noite de Natal e bater de porta em porta até encontrar sua antiga assistente, discutir a relação enquanto leva um menino vestido de polvo para uma apresentação escolar e beijar a mocinha justo no momento em que as cortinas do palco se abrem. A mocinha, por sua vez, pode pular em cima do Primeiro Ministro quando, um mês depois, ele volta de viagem. Um escritor e sua faxineira podem se apaixonar ainda que não falem a mesma língua. Um menino de onze anos pode aprender a tocar bateria em duas semanas. Asterix pode convencer César a largar o posto de imperador e viver numa vila com Cleópatra (não é nesse filme, mas é um ótimo exemplo). Alan Rickman pode ser casado e ter filhos.
Um filme simples pode ser detestado. É normal. Mas filmes simples ruins podem ser vistos e revistos sem chatear ninguém, enquanto filmes complicados ruins fazem o espectador querer arrancar os próprios olhos para jogar na tela. E filmes simples bons, como esse, podem fazer de seus espectadores pessoas felizes por horas e horas.
3/5
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