Mania de notas
Dar notas é divertido, mas tem seus problemas. Às vezes você está sentado no cinema, tranquilamente apreciando um filme, quando surge aquela dúvida: é um 2 ou um 3? Um 3 ou um 3,5? Merece negrito? Maldito, você grita (em pensamento para não atrapalhar os outros espectadores), deixe-me ver o filme em paz! Mas já é tarde, sua cabeça passa e repassa os prós e contras do filme sem cessar, e quando você vê mal está prestando atenção na cena. Revoltante.
Até porque as notas não têm tanta importância assim. São uma análise não do filme, livro, música, cidade, livraria ou o que seja, e sim da experiência de conhecer o objeto em questão. Um livro lido em casa talvez recebesse outra nota se fosse lido no ônibus. Talvez não: há livros que operam bem em qualquer ambiente, enquanto outros precisam de uma atenção, um silêncio e um conforto especiais. O mesmo para filmes: ver Morte em Veneza após uma noite de meras três horas de sono é tão inadequado quanto ler O arco-íris da gravidade à beira da piscina enquanto seu tio balofo canta um pagode paulista e seu primo sardento decide mergulhar na água pulando por cima do seu corpo.
Pode ser mais sutil também. Por exemplo, Mémoires d'Hadrien talvez terminasse com uma nota maior do que o 3 que recebeu se tivesse sido lido em menos tempo: os dias sem leitura quebraram o ritmo do texto, e eu estava sem saco de voltar a cada vez que pegava o livro para conferir se Arrien era o secretário do imperador ou o poeta que o acompanhava (se é que havia um Arrien).
A situação piora quando se começa a comparar notas. Quase sempre que faço isso acabo mudando um bocado de coisas, porque como é que esse filme recebeu um 3,5 se aquele ali só recebeu um 3? E eu devia estar delirando quando dei um 4 para Carandiru - a mesma nota de Barry Lyndon, Boogie Nights e O pianista? Você deve estar brincando. Mas esse é um exemplo extremo. Subjetivas, variáveis e inconsistentes: notas só servem mesmo pra gente se divertir.
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