Thursday, May 19, 2005

Oldboy

Aviso amigo: Sempre acho melhor ver o filme ou ler o livro antes de ler a respeito do mesmo, mas em alguns casos a recomendação deve ser mais enfática, e Oldboy é um deles. Se você ainda não viu o filme, não leia o post. Ou leia, mas saiba que boa parte da graça pode estar indo pela janela. E a graça do filme é pesada, vai se esborrachar no chão. A seguir, um pouco de espaço em branco para quem estiver na dúvida pensar a respeito. Obrigado.














No fim do filme, um homem desesperado implora ao seu vingador que não execute a parte final da vingança. Se seu pedido for aeito, diz o homem, ele será o servo do outro, o escravo, o cão; e logo depois, demonstrando seu compromisso, se põe de quatro no chão e começa a latir, a engatinhar, se aproxima do outro e lhe lambe os pés. O vingador, em pé, esconde o riso com a mão sobre a boca. Ele é o único que ri: a platéia do cinema está séria, atenta e silenciosa.

Hoje em dia, infelizmente, evitar o riso da platéia em momentos inapropriados não é um feito simples. A queda não conseguiu: boa parte dos acessos de fúria louca de Hitler foram premiados pela platéia do Estação Ipanema com risadas, oh-como-ele-é-insano, oh-como-ele-é-patético. O tipo de gente que iria a uma manifestação nazista com genuíno e estúpido orgulho pela força da pátria. Mas Chan-wook Park consegue fazer mesmo os mais estúpidos assistir em silêncio. Como Réquiem para um sonho, Oldboy é um filme que esconde deliberadamente sua força durante no mínimo sua primeira hora. Quando o espectador baixa a guarda e acredita que está assistindo a um Kill Bill melhorado, o filme ataca, e todo o mundo cala a boca.

Não é a única forma por que Oldboy engana seu público. Fui ao cinema esperando um filme de vingança, e mesmo quem fosse sem expectativa alguma teria a mesma expectativa após a primeira parte do filme: um homem é preso por quinze anos; ele escapa; ele procura seu algoz. E pronto, ali está o vingador, ali está o culpado. Mas ao longo do filme as coisas mudam: outra vingança precedeu a que estamos assistindo; finalmente, descobrimos que estamos assistindo à vingança antiga, ao seu arremate brilhantemente sádico. É como assistir a um filme de golpe e descobrir que o malandro na verdade é o pato.

Dizer isso faz o filme parecer O sexto sentido, e num certo sentido parece mesmo: um final surpresa, espectadores repassando as cenas anteriores, um choque, uma história bem trabalhada. Mas Oldboy é mais, e a falta de palavra melhor me incomoda, profundo: os personagens importam bem mais, seus destinos são mais complicado, o fecho da história é incômodo. Oldboy não pára na brincadeira com o público, não é um filme-bibelô. Você sai do cinema, pega um metrô, sobe a ladeira, dá um beijo na namorada, dorme, vai pro trabalho, volta pra casa, sai com os amigos, vê futebol, tem insônia, lê um livro, dorme, vai pro trabalho, escreve no blog e o filme continua, a digestão lenta, o paladar longo. O filme continua importando.

4/5

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A crítica da Contracampo é, como esperado, horrível. Ruy Gardnier gosta do começo do filme, que eu não achei lá grande coisa, mas até aí tudo bem. O problema é quando ele passa para o fim. Em primeiro lugar, há uma crítica ao fato de que os acontecimentos no filme se encaixam bem demais, como se criar uma trama complexa e lógica seja simples e, pior ainda, inútil. Talvez seja um efeito colateral de gostar demais de Godard: a idéia de que coisas que fazem sentido podem ser interessantes se perde em algum lugar entre Je vous salue, Marie e Elogio do amor. Depois Gardnier reclama que a estrutura do filme é semelhante a Vanilla sky, Brilho eterno de uma mente sem lembranças e, por algum motivo, Quero ser John Malkovich, como se a estrutura fosse um erro em si, como se um filme fosse incapaz de fazer algo parecido com o que outro faz de forma mais competente. Talvez todos os filmes devessem ser como os do Godard. E, o pior de tudo, a crítica contém o inacreditável conjunto de palavras Panóptico que jamais se problematiza como tal. Não estou brincando, podem conferir.

1 Comments:

Blogger Werner Daumier-Smith said...

Brilhante, jovem, brilhante. Estava procurando coragem e argumentos para escrever sobre as inacreditáveis críticas da Contracampo mas você conseguiu colocar tudo que queria aqui - malditos adoradores de Godard!

É aquele lance de o crítico ser muito mais pretensioso que o cineasta, e ficar vendo coisas e fazendo relações absolutamente surreais, transofrmando a crítica em uma obra literária de péssima qaulidade, imbuída de - e por que não? - um espírito godariano que se espalha para a escrita. Se a crítica do Old Boy é inacreditável a de Bob Esponja - confiram, confiram - é digna de um quadro. É um desenho, diabos, supostamente para crianças. O que se espera, uma animação nouvelle vague?

Crítica boa, jovem, é a que você faz - sim, sim, rasgação de seda, mas é verdade. Até mesmo quando você gosta de filmes como Simplesmente Amor.

6:00 AM  

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