Monday, December 20, 2004

O abraço partido

Gosto de ir ao cinema no escuro total, sem ter a menor idéia da história do filme. Mas é raro. Mesmo sem ler as críticas, alguma coisa acaba quase sempre passando, nem que seja por uma leitura involuntária dos tijolinhos de jornal quando estou procurando o horário do filme que quero ver.

Mas às vezes esse método indireto de descobrir o assunto do filme dá errado. Foi o caso com O abraço partido, de Daniel Burman: fui ao cinema pronto pra ver um drama denso e lento, passado quase todo dentro de uma galeria em Buenos Aires, mas o filme é na verdade uma boa comédia dramática em que a tal galeria é tão-somente um cenário principal.

O abraço partido foi, na base do boca-a-boca, um dos filmes mais elogiados do último Festival do Rio, mas não chega a ser essa coca-cola toda. Mas é bom. A organização em capítulos é simpática e ajuda a levar a história pra frente, já que no fim das contas a narrativa central (filho quer descobrir por que seu pai largou a família pra ir lutar na guerra do Yom Kippur) não avança muito.

Boa parte do filme é feita de histórias antigas contadas pelos mais velhos, e a crise econômica argentina faz suas leves porém sentidas aparições: um dos personagens da galeria vê-se obrigado a vender sua loja, a galeria deve pagar uma dívida que não se sabe se é em dólares ou em pesos. Ariel, o protagonista, quer ir para a Europa e corre atrás de uma nacionalidade polonesa, embora a avó judia não queira se lembrar da sua ligação com o país onde aconteceu tudo o que sabemos. Ariel quer esquecer o passado - a namorada perdida, o abandono da faculdade, o pai que abandonou a família - e partir para uma outra vida, mas o acerto de contas com o passado é invetável, e a personificação dessa idéia é o retorno do seu pai a Buenos Aires.

Daniel Hendler, que faz Ariel, é a grande qualidade do filme. Numa daquelas pequenas grandes cenas que surgem por aí de vez em quando, ele tira as três fotos que precisa para o passaporte polonês e o fotógrafo sugere que na quarta ele dê um sorriso. A resposta é algo como: "É difícil, amigo", e o rosto de Hendler exprime exatamente isso - um daqueles casos em que o personagem inteiro é resumido numa imagem. Além disso, merece aplausos o fato de que no fim o protagonista não volta com a tal ex-namorada, embora não se tenha resistido a dar importância a um personagem antes definido como um zero à esquerda.

3/5

1 Comments:

Blogger Werner Daumier-Smith said...

Acredito que as críticas de filmes devam vir junto das notas. Mas antes talvez seja necessário uma apresentação formal dos conceitos das notas, não?

De qualquer modo, Abraço Partido é bem legal, e mais um filme melancólico-feliz-mas-não-extamente argentino que se sai bem.

10:39 AM  

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