O abraço partido
Gosto de ir ao cinema no escuro total, sem ter a menor idéia da história do filme. Mas é raro. Mesmo sem ler as críticas, alguma coisa acaba quase sempre passando, nem que seja por uma leitura involuntária dos tijolinhos de jornal quando estou procurando o horário do filme que quero ver.
Mas às vezes esse método indireto de descobrir o assunto do filme dá errado. Foi o caso com O abraço partido, de Daniel Burman: fui ao cinema pronto pra ver um drama denso e lento, passado quase todo dentro de uma galeria em Buenos Aires, mas o filme é na verdade uma boa comédia dramática em que a tal galeria é tão-somente um cenário principal.
O abraço partido foi, na base do boca-a-boca, um dos filmes mais elogiados do último Festival do Rio, mas não chega a ser essa coca-cola toda. Mas é bom. A organização em capítulos é simpática e ajuda a levar a história pra frente, já que no fim das contas a narrativa central (filho quer descobrir por que seu pai largou a família pra ir lutar na guerra do Yom Kippur) não avança muito.
Boa parte do filme é feita de histórias antigas contadas pelos mais velhos, e a crise econômica argentina faz suas leves porém sentidas aparições: um dos personagens da galeria vê-se obrigado a vender sua loja, a galeria deve pagar uma dívida que não se sabe se é em dólares ou em pesos. Ariel, o protagonista, quer ir para a Europa e corre atrás de uma nacionalidade polonesa, embora a avó judia não queira se lembrar da sua ligação com o país onde aconteceu tudo o que sabemos. Ariel quer esquecer o passado - a namorada perdida, o abandono da faculdade, o pai que abandonou a família - e partir para uma outra vida, mas o acerto de contas com o passado é invetável, e a personificação dessa idéia é o retorno do seu pai a Buenos Aires.
Daniel Hendler, que faz Ariel, é a grande qualidade do filme. Numa daquelas pequenas grandes cenas que surgem por aí de vez em quando, ele tira as três fotos que precisa para o passaporte polonês e o fotógrafo sugere que na quarta ele dê um sorriso. A resposta é algo como: "É difícil, amigo", e o rosto de Hendler exprime exatamente isso - um daqueles casos em que o personagem inteiro é resumido numa imagem. Além disso, merece aplausos o fato de que no fim o protagonista não volta com a tal ex-namorada, embora não se tenha resistido a dar importância a um personagem antes definido como um zero à esquerda.
3/5
1 Comments:
Acredito que as críticas de filmes devam vir junto das notas. Mas antes talvez seja necessário uma apresentação formal dos conceitos das notas, não?
De qualquer modo, Abraço Partido é bem legal, e mais um filme melancólico-feliz-mas-não-extamente argentino que se sai bem.
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