Agruras de um jovem escritor (de roteiros)
A coisa mais chata de tentar escrever um roteiro (só vou acreditar que estou de fato escrevendo um roteiro, e não apenas tentando, quando terminar) é descrever tudo naquela linguagem desidratada.
INT. SALA DE AULA - DIA.
Uma sala de aula repleta de ALUNOS com a cabeça deitada sobre a carteira escondida pelos braços cruzados. Apenas JOSÉ, na primeira fileira, olha fixo na direção do PROFESSOR.
PROFESSOR
Lênin considerava Stalin despreparado.
(Aliás, um professor meu realmente disse isso um dia. Suponho que o despreparo de Stalin seja para comandar a União Soviética, mas não sei, não estava prestando atenção e ouvi essa frase por acidente. Pode ser que fosse esse o motivo para Lenin não ter escolhido Stalin para bater o pênalti decisivo na pelada semanal de bolcheviques contra mencheviques.)
Ou:
Os alunos não aguentavam mais: os cinquenta minutos de aula pareciam não ter fim. Foram desistindo um a um, e agora quase todos apoiavam as cabeças esconidas pelos braços cruzados sobre as carteiras, tentando fugir de alguma forma da aula sobre Revolução Russa (ou o Torneio de Pelada de Moscou). Apenas José se mantém ereto e atento, olhando fixamente a boca do professor pronunciar a frase que parecia um sortilégio: "Lenin considerava Stalin despreparado".
Sortilégio não é a palavra, mas tudo bem. Você pode até não gostar do meu estilo, mas o segundo texto não é muito mais vivo? Não é muito mais preciso na descrição da sala de aula e do torpor que a envolve? Não descreve, enfim, muito melhor a cena? Então por que usar o estilo do primeiro texto pra escrever um roteiro, ou seja, justamente pra descrever cenas? Não entendo, me submeto, mas não entendo.
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