O retorno
Assim como em O abraço partido, em O retorno o ponto central da narrativa é um pai ausente que, ora vejam só, retorna à casa e ao relacionamento com os filhos. Mas o ponto em comum é só esse. O filme argentino tem tramas paralelas, câmera trêmula, pai chegando no meio, reconciliação no fim; o filme russo tem uma história só, câmera parada, pai chegando no começo, uma morte no fim.
O filme de Andrei Zvyagintsev não tem firulas. Na maior parte do tempo, há apenas três personagens em cena, e suas atitudes podem ser resumidas sem muito esforço: o pai sem nome (Konstantin Lavronenko - o ator tem nome, ué), grosseiro e violento; o filho mais velho, Andrei (Vladimir Garin), se esforçando para amar e ser amado pelo pai; e o filho mais novo, Ivan (Ivan Dobronravov), arredio e questionador. No fundo, são caricaturas, apesar de nada engraçadas. Mas a unidimensionalidade dos personagens funciona muito bem para encher o filme de uma tensão quase imperceptível que explode na cena da morte do pai.
As caricaturas funcionam também porque os três atores conseguem evitar que seus personagens caiam no ridículo. Konstantin Lavronenko mantém uma mesma expressão facial quase ao logo de todo o filme, e ainda assim consegue tornar um homem aquele pai que tão facilmente poderia virar um monstro desumano. Vladimir Garin atinge outro pequeno feito ao tornar verossímil o patético desejo de seu personagem de ser amado por um pai que não o quis e obviamente não o quer. E Ivan Dobronravov, que é a cara (ou faz as caras) do Haley Joel Osment, está soberbo num papel que poderia ser bem piegas - o filho que, sem deixar de sentir alguma afeição pelo pai, não consegue perdoá-lo pelo abandono de doze anos. Na primeira cena, Ivan não consegue pular de uma torre alta para a água gelada do mar, como seus amigos e seu irmão já haviam feito. No dia seguinte ele é chamado por todos de covarde. O resto do filme será dedicado a mostrar que não há nada de covarde naquele garoto, que ao contrário do irmão está disposto a confrontar o pai, questioná-lo, até mesmo matá-lo.
Em termos de técnica (ah, a técnica cinematográfica), há um uso interessante do espaço fora da tela, na cena em que a mãe dos meninos dilui o vinho oferecido e pelo pai e principalmente quando Andrei fecha os olhos do pai morto. E o fim do filme, quando surgem diversas fotografias da viagem feita pelos três e outras mais antigas, é um uso brilhante do tempo fora da tela: aquelas fotos nos lembram de que vimos um corte no tempo, que não sabemos a história toda - que, justamente, aquelas pessoas são mais do que caricaturas. E a ausência do pai em quase todas aquelas fotos acentua o mistério que o cercou ao longo do filme - e que acertadamente não mereceu nem sombra de esclarecimento.
Uma curiosidade sinistra: Vladimir Garin morreu afogado algumas semanas após o fim das filmagens, no lago em que várias cenas do filme foram filmadas.
3/5
1 Comments:
3 ou 3,5 significa 3 com viés de alta???
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