Pequenas tragédias, expandido
Minor mishaps - a clogged drain, running late for an appointment - send me into a sky-is-falling-tizzy. It's a trait that can leave one ill equipped for coping when the sky actually falls.
O trecho acima é da introdução de In the shadow of no towers, de Art Spiegelman - não exatamente uma história em quadrinhos e sim um conjunto de dez grandes páginas desenhadas à maneira dos mestres do fim do século XIX/começo do século XX, como Winsor McCay ou Richard Outcault. Spiegelman, nova-iorquino de carteirinha, se refere, é claro, ao 11 de setembro, quando o céu asterixianamente caiu sobre a cabeça do mundo ocidental, particularmente de quem vive na capital do mundo. Mas o que me interessa é saber que estou em boa companhia no que diz respeito a meu pendor por pequenas tragédias.
Minha namorada às vezes se espanta. Mas foi só uma borracha que você perdeu, ela argumenta, tentando sufocar o riso diante do ridículo da situação. Não adianta, perder coisas me tira do sério. Desde pequeno sou considerado, pelos outros e por mim mesmo, distraído, desastrado e incapaz de fazer uma quantidade absurda de pequenas tarefas práticas. Consegui melhorar bastante nos últimos tempos, a não ser em relação ao terceiro problema; mas de vez em quando sofro recaídas graves. Uns dois anos atrás perdi dois estojos em um mês, talvez menos. Ao longo da faculdade perdi um ou dois guarda-chuvas (que não contam, né?) e dois dos meus casacos favoritos. Cada ocasião me deu uma raiva irracional, violenta e frustrante, já que eu só podia culpar a mim mesmo.
Por outro lado, pequenas tragédias causam um complicado achatamento do espectro de emoções humanas. É o problema citado pelo Spiegelman: se um ralo entupido é encarado como o fim do mundo, o fim do mundo será encarado como o quê? Problema semelhante ao levantado por João Moreira Salles num dos capítulos da sua ótima história idiossincrática da simplicidade, publicada pelo antigo No.: se Beleza americana é considerado uma obra-prima, o que é Apocalypse now?
A pergunta do João é muito boa e talvez mereça um comentário em outra ocasião. Quanto à pergunta do Spiegelman, a resposta que encontro é que nós, trágicos do pequeno, nos tornamos bem menos trágicos quando a situação é séria, when the sky actually falls. Os outros são totalmente surpreendidos pelo sentimento que os aflige quando algo realmente desastroso acontece. Nós, não. Nós pensamos, ou passamos por um processo inconsciente que equivale a pensar: ei, estou sentindo o mesmo que senti quando perdi aquela borracha. Mas perder a borracha é uma bobagem (à raiva, os trágicos do pequeno têm que somar a consciência do ridículo), então talvez essa queda do céu não seja tão grave assim. Fazer tempestade em copo d'água exagera o trivial, mas também, e de forma mais perversa, apequena o importante.
Bom, acho que é o que acontece comigo. O próprio Spiegelman, se acreditamos que In the shadows of no towers é um retrato acurado das suas reações diante do 11/9 & consequências, teve uma reação digna do fato, ou seja, praticamente enlouqueceu. Sucumbir às tragédias pequenas não o levou a achatar seu espectro emocional, e sim a deslocá-lo violentamente para cima. Não é o meu caso.
No fim de 2000 eu esperava o resultado da minha primeira prova de vestibular, para o Ibmec. O resultado sairia no sábado e eu estava razoavelmente tenso sexta à tarde, até que descobri que uma caixa com vinte dos meus melhores cds não estava na minha mochila. A tensão pelos cds perdidos foi muito maior do que a anisedade por uma informação que poderia ser muito importante para o meu futuro. Passei em primeiro lugar geral no Ibmec, e fiquei obviamente contente, mas meu alívio por saber que os cds estavam em segurança na casa do meu pai foi bem maior. A pequena tragédia deixou meu futuro em segundo plano.
Talvez, porém, aquele alívio represente uma (única?) vantagem de se deixar levar por pequenas tragédias: assim que você encontra aquela borracha perdida, é tomado por uma sensação de grande alegria. Que não faz o menor sentindo, mas está lá mesmo assim.
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