Thanks, Will
A frase já virou clichê, mas é tão verdadeira que vale a pena repeti-la: Spirit, de Will Eisner, é o Cidadão Kane dos quadrinhos. O Orson Welles das imagens congeladas morreu ontem.
Eisner e Welles estavam indubitavelmente à frente do seu tempo. Um desavisado que assista hoje a qualquer filme do diretor de Cidadão Kane é capaz de jurar que a produção é do ano passado. Welles foi um dos primeiros diretores a antever como seria a encenação cinematográfica moderna, um dos primeiros a captar seus atores no meio termo de ouro entre o teatralizado e o apático, e o primeiro a movimentar a câmera como se continua fazendo hoje. Os elementos básicos da gramática do cinema foram compilados por Griffith, mas foi Welles quem pela primeira vez utilizou esses elementos de forma perfeitamente fluida. Welles encheu a gramática de estilo.
Eisner fez o mesmo para a nona arte. É em Spirit que os quadrinhos descobrem todas as suas possibilidades estilísticas: os pontos de vista, o aproveitamento da página, quadros de tamanhos diversos, metalinguagem, todos os recursos que um quadrinista tem a mão são usados para contar a história da forma mais envolvente possível. Depois de Spirit, pouca coisa mudou nos quadrinhos mainstream: a série dos Novos X-Men escrita por Grant Morrison fala de temas diferentes, talvez mais ousados, mas o modo como a trama é revelada ao leitor é basicamente aquele que Eisner usava no fim da década de 30 para narrar as peripécias de Danny Colt.
Ele também foi um pioneiro da graphic novel – o termo é dele – ao lançar em 1978 Um contrato de Deus, a semente do que viria a ser a sensacional década de 80 para os quadrinhos. Nesse campo, seu nome não é tão grande: seus trabalhos carecem de substância, de sofisticação, e não se comparam a obras como Watchmen, Maus, Asilo Arkham ou as histórias de Sandman. Ainda assim, seu empenho foi indispensável para mostrar a editores e leitores mais obtusos que o quadrinho é uma arte tão poderosa quanto qualquer outra. Fosse só por isso, teríamos muito a lhe agradecer, mas ele ainda nos deixou as deliciosas histórias do Spirit como prova definitiva do seu gênio artístico. Muito obrigado a ele.
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