Críticos
A maior parte dos críticos brasileiros escreve o pior tipo de crítica possível: opiniões. Mesmo a Barbara Heliodora, tão incensada, parece seguir uma cartilha para cada texto que escreve, passando por todos os aspectos de uma peça: atores, cenografia, figurinos, luz, texto. Seria muito bom se cada tópico fosse analisado com cuidado, mas não, só se diz se é bom ou ruim. Ou seja, o que temos no fim da crítica é uma sucessão de "gostei"/"não gostei" disfarçados de dogmas do bom senso. De quando em vez ela escreve um pouquinho mais, mas em geral é só.
A culpa, sabe-se bem, não é só dos críticos. O jornal dá um quarto de página pro cara, ele tem que saber como se virar. Não há espaço para digressões. Quem é bom de verdade, como o Jaime Biaggio, às vezes consegue, ou dá um jeito de cavar outro espaço pra debater filmes com mais vagar (http://oglobo.globo.com/online/blogs/cinema/). Quem é mediano escreve o que achou do filme e pronto.
Por isso é inicialmente gratificante ler as críticas de cinema escritas nos Estados Unidos que vez por outra pintam na Internet. O David Eldestein, da Slate, ou o A. O. Scott, do New York Times, ou o pessoal da Salon, escrevem críticas longas, dissertativas, citando outros filmes, analisando cenas, buscando interpretações. Perto do que é feito por aqui, é ótimo.
Mas, uma vez observados os julgamentos de valor desses críticos, a gratificação se esvai. Apesar da sofisticação da análise, é raro que eles não se limitem a ver o filme como uma forma de transmitir uma mensagem, não mais que isso. Um exemplo dos mais grotescos surgiu no Movie Club da Slate, ano passado. Todo começo de ano, David Eldestein reúne alguns críticos rola-grossa dos EUA para trocar emails ao longo de uma semana sobre os filmes do ano que terminou. O Movie Club sobre 2004 já está rolando, aqui, ó: http://www.slate.com/id/2111473/entry/0/. Ano passado, a respeito de Cold mountain, David Eldestein mencionou o email de um leitor que criticava O paciente inglês porque o personagem de Ralph Fiennes entrega documentos aos nazistas para salvar a personagem de Kristin Scott-Thomas. Será, dizia o leitor, que o diretor Anthony Minghella está nos dizendo que o amor é mais importante do que tudo, que podemos e devemos fazer pactos com o demo para salvar nosso amor? Não dá pra concordar com isso. E Eldestein aprovava o comentário.
Problema número um: Minghella não está falando que o amor é mais importante do que tudo, está contando a história de alguém que talvez pensasse assim. A visão do personagem não é a visão do autor, ora bolas. Mais importante: não é preciso concordar com o personagem para gostar de um filme, ou de um livro, ou de uma peça de teatro. Não acho legal a Medéia matar os próprios filhos só pra se vingar de Jasão, mas isso não torna a peça de Eurípides menos sensacional.
Problema número dois: se Minghella estivesse advogando a supremacia do amor sobre todas as coisas, qual seria o problema? Tampouco é preciso concordar com o código moral advogado pelo filme ou livro ou peça de teatro para admirar a obra. Arte tem pouco a ver com ética ou moral. Triunfo da vontade, de Leni Riefenstahl, pode e deve ser muito criticado por celebrar o partido nazista. Mas são críticas morais, que não deveriam afetar o julgamento artístico do filme. O mesmo vale para O nascimento de uma nação, de Griffith, que elege como heróis os simpáticos homens de capuz branco da Ku Klux Klan.
O principal problema de um crítico que discute apenas as idéias inseridas num filme é que logo ele, que deveria tentar ressaltar a importância da arte do cinema, relega-a ao segundo plano. O filme se torna uma imensa metáfora sobre a Guerra, ou a Política, ou o Sexo, e o crítico se põe a discutir essas metáforas, a confrontar sua visão de mundo com a que ele julga emanar do filme. E discutindo visões de mundo passa ao largo do cinema.
2 Comments:
Acho que deveria haver um espeço para a crítica da crítica. E depois a tréplica do crítico. Seria mais divertido e proveitoso.
Você já leu alguma das críticas da minha mãe a peças? Acabam falando pouco dos detalhes (luz, cenário, etc), porque ela sempre pega um ponto, um conceito da peça, compara com outras idéias, livros, peças... Eu acho do caralho.
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