Livros que nos perseguem
Não sei se Calvino fala sobre eles no começo de Se um viajante numa noite de inverno, mas deve falar. São aqueles livros (ou filmes ou discos) que surgem do nada, numa conversa ou leitura, e de repente começam a cercar o leitor potencial, aparecendo em todos os cantos, até que sua pobre vítima perceba que não resta saída a não ser ler seu perseguidor.
O livro que está me perseguindo é O herói de mil faces, de Joseph Campbell. Ele identifica a semelhança entre os mitos de diversas culturas e descreve a típica jornada do herói, presente em qualquer história: o herói deve realizar feitos para ser considerado como tal, resolver conflitos, e uma história é a narrativa da resolução de conflitos. Isso pelo que consegui pescar por aí, já que ainda não li o livro e minha pesquisa na Internet foi muito chinfrim.
O que interessa é que o livro quer meu sangue. Segunda-feira retrasada comecei um curso de férias na PUC sobre roteiro para cinema. Um dos itens da bibliografia é A jornada do escritor, de Christopher Vogler, que a professora descreveu como uma aplicação da teoria de O herói de mil faces a roteiros - ou seja, como a jornada do herói funciona em um filme. Beleza.
Quinta à noite, numa cena de Gilmore girls (a melhor série televisiva atual?), Rory está acompanhando uma aula de filosofia em Yale. Trecho da aula:
Which brings us to this question. Does Campbell’s work successfully resolve the disparate stances of Jung and Freud when it comes to the collective unconscious?
E:
But now, Campbell can point to the repetition of the hero myth in culture after culture and say, "Hey Sigmund! Like it or not, here are the same basic characters over and over" -
E aí o professor é interrompido por dois amigos de Rory que fazem um teatrinho fingindo que estão disputando o coração da pobre moça. Coisas de seriado americano. Mas enfim: pulga atrás da orelha. Um livro totalmente desconhecido na segunda-feira, citado duas vezes ao longo da semana. Coincidência. Relaxe.
Aí sexta-feira leio um artigo de Brian Libby sobre Taxi driver, que comentei aqui. Trecho:
It should go without saying that "Taxi Driver" is one of the greatest works in the history of cinema. It follows the classic mythological template that Joseph Campbell has described, of a reluctant hero called forth on a quest that will test his endurance, strength and even sanity. But like its unofficial cinematic inspiration/antecedent, John Ford's "The Searchers," "Taxi Driver" twists that timeless formula by making its hero more of an anti-hero. Travis Bickle is not the kind of guy you pin medals on or take home to Mom.
And it's all the proof I need. O maldito livro de Campbell está atrás de mim, surgindo por todos os lados. Desde sexta não ouço nem vejo nada a seu respeito, mas já passei do ponto em que isso me tranquilizaria. Ele está tramando alguma coisa, eu sei. O melhor é fazer é lê-lo logo e pôr um fim à minha agonia.
1 Comments:
Acho que você andou lendo muito Pynchon.
Isso é só o rabo do leão. Daqui a pouco as coisas vão piorar. Não descartaria o Campbell andando por perto de sua casa em Niterói ou uma estranha seita medieval européia. Medo...
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