Wednesday, February 02, 2005

Mainardi

A penúltima coluna do Mainardi me deu esperanças: era a primeira vez em muito tempo que eu lia alguma coisa dele que não falava do PT. E, apesar da bronca do Smart Shade of Blue, era o bom e velho Mainardi de uns sete anos atrás. As frases estão muito curtas e travam um pouco a leitura; o segundo parágrafo não tem muito a ver com o primeiro. Mas não importa: é o texto de um velho rabugento, exagerando algumas verdades e nos forçando a rir de nós mesmos.

Mas na última Veja ele não resistiu. Não menciona o PT, mas mete o pau no Greenhalg, e anuncia - com algum espanto, é verdade - apoio ao PFL. Receio que a coluna sobre praias brasileiras seja só um breve instante de lucidez no desvario que acometeu o colunista desde a eleição do Lula.

Quando estava no colégio eu gostava muito do Mainardi. Ainda me lembro de uma sua coluna criticando o incentivo do governo a esportes como o vôlei e o basquete. Somos um país de anões, ele dizia. Fiquemos com o futebol, que é o que sabemos fazer direito. Era engraçadíssimo. Mostrei para um colega de turma, que não conteve o riso mas me perguntou depois de ler: "Você concorda com isso?" Pô, claro que não. Mas é engraçado, e tem um fundo - muito fundo - de verdade.

Mainardi também acertava nas poucas vezes em que queria ser sério. "Meu pequeno búlgaro", a crônica que escreveu quando descobriu que seu filho sofria de paralisia cerebral, é linda. Mas aí o Lula virou presidente e ele resolveu ser sério o tempo inteiro. Começou, se não me engano, antes da eleição, durante a campanha. Mas piorou com o Lula eleito, e piorou ainda mais com o caso Larry Rother. Desconfio que comece aí o desvario definitivo de Mainardi.

Uma nota oficial, comentando a reportagem que Rother fez sobre os hábitos etílicos do presidente para o New York Times, dizia que o jornalista usara fontes não confiáveis como base para a sua história. Mencionou-se o nome de Mainardi, que escrevera uma crônica perguntando quanto o Lula bebia, e se isso afetava de alguma forma sua capacidade de governar o país. Pronto.

Não sei nem se ficou claro que o Mainardi era mesmo uma fonte do Rother. Talvez ele até seja mencionado na reportagem, não me lembro. Mas suponhamos que sim, em defesa do colunista. Sua atitude após o fato permanece injustificável. O caso foi discutido no Manhattan Connection e uma fala do Mainardi foi usada no comercial do programa. Tudo bem, é coisa da GNT, ele não tem nada a ver com isso. Mas algum tempo depois o rapaz apareceu como convidado de um quadro do Armazém 41 com Arthur Dapieve e Marcelo Madureira. Sua presença foi anunciada, ele entrou na sala em que os outros dois ficam para comentar outros programas do GNT. Tudo bem, Mainardi? Tudo bem. Eu, que fui considerado fonte não confiável pelo governo...

Imaginem o Coetzee entrevistado no lugar do Mainardi. Tudo bem, Coetzee? Tudo bem. Eu, que ganhei o Prêmio Nobel de literatura em 2003... Um seria tão arrogante quanto o outro, mas o Coetzee tem motivo. Ele ganhou o Nobel, pombas. O Mainardi acha mesmo que ser considerado fonte não confiável pelo governo é motivo de empáfia?

Mas ele não gosta do governo, se falam mal dele é porque ele está incomodando, é um sinal de que está conseguindo fazer seu trabalho. Será? A coluna do Mainardi era tão ofensiva ao presidente quanto a reportagem do Larry Rother, mas as consequências desta foram muito maiores do que as daquela. Por mais que o Mainardi tente, ele continua tendo a mesma importância da época em que defendia o fim do apoio do governo ao vôlei e ao basquete. Alguns riem, outros levam a sério, muita gente escreve pra Veja reclamando, e pronto. Isso é o Mainardi.

Mas o mal estava feito. Diogo Mainardi deixou de ser um simples colunista e se tornou um Homem com uma Missão: atacar o governo Lula de todas as formas, até, presume-se, conseguir sua derrocada. O primeiro governo eleito do mundo a ser deposto por crônicas de revista.

Como todo missionário, Mainardi virou um chato. Ler suas colunas atuais é como ler os contos de Nelson Rodrigues: o primeiro é muito bom, o segundo é legal, o terceiro é repetitivo, o quarto é um porre. É sempre governo Lula. Ah, mas ele está certo, o governo do PT é mesmo um estrupício. Não concordo, mas ainda que concordasse, e daí? Eu achava que a Cora Rónai estava coberta de razão na história da capivara, mas não deixei de achar chato quanto li sua trigésima coluna a respeito.

Além disso. Missionários se julgam importantes quando muita gente reage a eles, seja concordando - sinal de que estão causando mudanças importantes - seja discordando - sinal de que tem gente ficando incomodada com o que estão dizendo. Que nada. Missionários pregam aos convertidos. Os leitores do Mainardi, como os do Olavo de Carvalho e os espectadores de Michael Moore, podem ser divididos em três grupos: os que concordam com o que está sendo dito e querem reforçar a validade da sua idéia, os que não concordam e querem refutar cada argumento e os que não concordam e querem se divertir. Ninguém muda de opinião por causa desses malucos, e eles são malucos por achar que sim.

Como eu disse acima, a coluna do Mainardi sobre o Greenhalg não citou o PT. Espero que isso seja uma diretriz da Veja. E torço para os editores da revista irem mais longe, proibindo o colunista de falar sobre o governo. Com um pouco sorte, ele volta a si e aos bons e velhos tempos de graça e rabugice.

1 Comments:

Blogger Unknown said...

Rach, você comprou o "Disgrace" quando estávamos juntos em Londres? Foi naquela viagem que eu comprei o livro, lá em Candem Town, no mesmo dia que a Clarice fez a compra perfeita de piercings infelizmente perdidos.

3:44 AM  

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