Só este ano comecei a faezr um catálogo dos livros que leio. O de filmes já existe há algum tempo, inspirado pelo catálogo do meu pai, que sempre me falou para fazer o mesmo com os livros. Agora, como a minha noiva também gosta de registrar o que lê, sucumbi à tentação. Livros e filmes de 2005 estão anotados num caderno de capa preta da Papel Kraft pelo qual paguei uma pequena fortuna, as far as cadernos go.
Por causa desse atraso, não posso ter certeza da validade da frase que segue. Mas acho seguro afirmar que foram raras as vezes em que um livro brasileiro poderia estar numa hipotética lista minha de melhores do ano. Alguns romances de Machado de Assis e os contos de Rubem Fonseca, certamente; quando era menor, O gênio do crime, O caso da borboleta Atíria e os livros de Monteiro Lobato. Posso estar cometendo uma injustiça, mas não consigo pensar em mais nada.
Por isso fico particularmente feliz, de um jeito tolamente nacionalista, após terminar de ler Aqueles cães malditos de Arquelau, de Isaias Pessotti. Não fosse Amor para sempre, do Ian McEwan, Pessotti estaria concorrendo ao posto mais alto do meu top 5 livros 2005, possivelmente desbancando Coetzee, Roth, Updike e outros McEwan. É verdade que há nessa minha admiração pelo romance muito de idiossincrático: sempre fui um sucker por livros de mistério, e livros de mistério eruditos, na tradição de Umberto Eco, são ainda mais saborosos - e um prazer menos culpado. Impossível resistir a um romance policial em que o grande mistério é a identidade de um bispo do século XV, tradutor de Eurípides para o latim, e os detetives são estudiosos de um pequeno instituto de pesquisa milanês, especialistas em temas como o teatro clássico grego ou a idéia de loucura na antiguidade. Mas quem acha que notas são objetivas é o Tija.
Arquelau ainda traz entrelaçamentos históricos entre as épocas de Eurípides, do misterioso tradutor e dos irreverentes pesquisadores; uma história de amor suave e honesta, cujo desenlace Pessotti tem a decência de não revelar; e descrições generosas de lautas refeições italianas (os detalhes de arquitetura e pintura antiga também estão presente, mas não me comovem tanto). A multiplicidade de investigadores permite que os conhecimentos de um complementem o do outro, ou melhor ainda, que várias pessoas cheguem à mesma conclusão por métodos bem distintos. Os diálogos entre os pesquisadores do Instituto Galilei são deliciosos, misturando uma obsessão adolescente por injuriar o interlocutor com demonstrações orgulhosas de erudição. A solução do mistério é satisfatória e paulatina, sem nenhuma intenção abusada de surpreender o leitor. O título é perfeito.
Bisbilhotando pela Internet encontrei uma breve resenha de O manuscrito de Mediavilla, também de Pessotti, sobre uma equipe de professores que descobre uma biblioteca de documentos raros e começa a pesquisar a história da Ordem dos Templários. Com aquele entusiasmo infantil de leitor que sentiu pena de se separar de bons personagens, espero que os professores sejam os nobres membros do Instituto Galilei; e ainda que eu tema certo enfado se Pessotti tiver apenas escrito mais do mesmo, confesso que é isso o que desejo encontrar.
4/5