Thursday, July 28, 2005

A vitória dos terroristas

Semana passada, assim que soube da tentativa de novos atentados no metrô londrino, liguei a tv na BBC e vi um pronunciamento de Tony Blair, acompanhado pelo primeiro ministro da Austrália. Blair exortava seus compatriotas a não ter medo: tomar cuidado e seguir as ordens dos policiais, sim, mas acima de tudo continuar com a vida. Tolher os movimentos por causa dos atentados seria fazer justamente o que os terroristas queriam, seria lhes dar a vitória.

No dia seguinte a Scotland Yard matou com oito tiros um rapaz que, independente da nacionalidade, não tinha nada a ver com terrorismo. O rapaz tentou fugir, os policiais estavam à paisana, o rapaz tropeçou, esses tempos são difíceis e estressantes para todos; há milhões de desculpas para uma morte acidental; mas nenhuma para oito tiros. Só atira oito veze quem quer muito matar seu alvo.

E aí os terroristas vencem, não importa o que Blair diga. Ainda que os londrinos continuem lotando os metrôs, quando a Scotland Yard atira oito vezes num suspeito a vitória é dos terroristas. Por medo ou raiva, estamos fazendo algo pior do que tolher nossos movimentos: estamos agindo como eles. Ainda que não saibam, os terroristas estão vencendo.

PS: Ridícula a parte final da coluna da Cora Rónai, hoje, no Globo, apontando como principais culpados da morte de Jean Charles de Menezes "os nossos políticos, gerações deles, que nunca se preocuparam em criar um país mais justo" e teriam forçado o rapaz a buscar oportunidades em outro país. A quantidade de etapas que Cora teve que pular para chegar aos políticos brasileiros é inacreditável: os culpados não foram os policiais, que atiraram; nem seus superiores, que autorizaram previamente os tiros; nem do próprio Jean Charles, que correu; nem dos terroristas, que criaram todo o ambiente por trás do acontecimento; não, foi dos políticos brasileiros. É de se supor que se o morto fosse um americano de férias a culpa seria dos políticos americanos, cuja atuação permite ao seu povo levar uma vida tão próspera que as pessoas podem viajar para outro país por diversão. Ou talvez fosse melhor culpar os pais do rapaz, pois se Jean Charles não tivesse nascido nada de mal teria acontecido a ele. Rónai estava embalada por críticas anteriores aos nossos políticos, mas esse tipo de hipérbole estúpida, assim como policiais que dão oito tiros num suspeito, não tem perdão.

Tuesday, July 26, 2005

For Burton with love

Oompa loompa dompadee doo
I got another puzzle for you
Oompa loompa dompada dee
If you are smart you'll listen to me

What do you get when you film a remake?
You try to be smart but it's always a fake
Why don't you try just to make something new?
Ask around your cast and crew
You'll see they agree with me

Oompa loompa dompadee da
If you're creative you will go far
You will please your audience too
Like the
Oompa
Loompa
Doompadee do

Monday, July 25, 2005

A fantástica fábrica de chocolates (2005)

O Tija diz para não comparar, mas como? E a versão de Mel Stuart com Gene Wilder é bem melhor do que a da dupla Burton-Depp.

Willy Wonka 2005 é um personagem quase sub-humano, uma aberração egocêntrica-misantrópica com uma risada estranhamente aguda. Depp, como sempre, está ótimo, mas o personagem perdeu charme - sem falar nos olhos de Gene Wilder, que são um post à parte. Wonka 1971 praticamente exultava ao ver crianças pentelhas sendo punidas por fazer o que não deviam; Wonka 2005 parece apenas se divertir moderadamente, e só se interessa mesmo é pelos doces que fabrica - o que, aliás, leva a um grave problema de roteiro: é muito difícil aceitar um homem tão centrado em si mesmo se preocupando com trivialidades como a busca de um herdeiro e o futuro dos oompa-loompas.

Freddie Hoghmore, o Charlie 2005, é bem melhor do que Peter Ostrum, o por vezes irritante Charlie 1971; mas o personagem ficou ainda mais encoberto por Wonka, o que, levando em conta a sub-humanidade de Wonka 2005, indica uma perda violenta de caracterização. O mesmo vale para a maioria dos outros personagens, com a provável exceção do sensacional Augustus Gloop 2005. Talvez seja esse o grande problema do filme de Tim Burton: a fábrica em si, o visual, o espetáculo contam muito mais do que as pessoas. FFC 2005 é menos Ed Wood e Edward Mãos-de-tesoura e mais Marte ataca e A lenda do cavaleiro sem cabeça: divertido, espetaculoso, espertinho, leve.

Pelo menos a versão 2005 não tem a pieguice da de 1971. Mas tem em seu lugar o aspecto psicológico: por divertido que seja ver Willy Wonka criança com um aparelho dental do tamanho de um armário (inspirado, de acordo no IMDB, pelo aparelho que Burton usava quando pequeno), a revolta contra o pai dentista é uma explicação demasiadamente algébrica para a formação do futuro doceiro. Tim Burton candidato ao Prêmio Spielberg 2005? Sem mencionar a necessidade do uso de flashbacks para contar a história, quebrando o ritmo da visita à fábrica. (Falando nisso, o que é aquele flashback em Loompaland? Tudo bem, os oompa-loompas são hilários, mas aquele deve ser o trecho de filme mais cortável desde a cena da sinuca em De olhos bem fechados.)

E a música. Ah, a música. Repita comigo: Oompa loompa doompadee doo. Caso encerrado.

3/5

Planos para o futuro

Meus dois leitores-comentadores fiéis certamente sabem que vou me casar, tanto que são padrinho e madrinha; para os leitores silenciosos (ou inexistentes) e desinformados, está dada a notícia. Após o casamento e uma curta lua de mel em Búzios, partimos para a França por dois anos para fazer mestrados. Somos muito chiques.

A viagem implicará, salvo atuação do Laranja, a morte (ou um coma prolongado) do Fêmea de Cupim. Minha veia blogueira se mudará para outro endereço, a ser anunciado em breve, onde o casal escreverá sobre nossa vida besta em Paris e o que mais der na telha. Recado dado

Não, é depois

Poucas frases feitas me irritam tanto quanto "O futuro chegou", "O futuro é agora" e que tais. Não, cacete, o futuro não chegou: por definição, a menos que você possa viajar no tempo e voltar depois, o futuro não chega. Telefones portáteis, máquinas de lavar com sexto sentido e filmes feitos totalmente no computador não são coisas do futuro; já foram, não são mais. Agora, no presente, pensamos em outras invenções que vão surgir no futuro (cidades lunares, teleporte, sei lá eu), e quando elas surgirem teremos outras em mente, e por aí iremos até que o céu caia sobre as nossas cabeças. Quem acha que o futuro chegou não espera mais nada? Povo sem imaginação.

Wednesday, July 20, 2005

O estado dos livros

Ganhei os Contos reunidos do Rubem Fonseca no Natal de 94 ou 95: tinha, portanto, 11 ou 12 anos. Li-o logo depois, a maior parte durante férias de família para algum Estado nordestino repleto de praias - Bahia? Ceará? Ele deve ter passado muito tempo na mala ou na mochila, porque acho que começa daí sua deterioração.

Hoje, mesmo após uma restauração meio fajuta pouco antes da virada do milênio, meu livro está com uma aparência lastimável. A capa (elegante, toda preta com o nome do autor em vermelho algo rosado e o título em cópia da letra manuscrita do autor) se descolou da lombada, o que faz com que a última penda para fora da estante, salva do suicídio apenas pela força da costura na contracapa; a pintura preta da capa está corroída em vários lugares, especialmente nos vértices do livro; o alto das páginas, após tanto tempo à exposição da umidade no sótão que é o meu quarto, está cheio de manchas amareladas. Uma lástima. Mas.

Mas ninguém tem dúvida, olhando para aquele livro todo troncho na minha estante, de que foi um livro lido. E relido. Não com descaso ou desatenção: de forma devota, obsessiva, tarada. É um livro desgastado como desgastado é um playboy de 80 anos que passou a vida varando a noite em festas regadas com o melhor uísque que o dinheiro pode comprar, arrasado como o maratonista campeão segundos após rasgar a faixa que marca a linha de chegada. Um livro que cumpriu sua missão. E, capas rasgadas e lombadas suicidas à parte, ele permanece a postos, pronto para a batalha. Orgulho da biblioteca, um exemplo para seus pares.

Thursday, July 14, 2005

Aqueles cães malditos de Arquelau

Só este ano comecei a faezr um catálogo dos livros que leio. O de filmes já existe há algum tempo, inspirado pelo catálogo do meu pai, que sempre me falou para fazer o mesmo com os livros. Agora, como a minha noiva também gosta de registrar o que lê, sucumbi à tentação. Livros e filmes de 2005 estão anotados num caderno de capa preta da Papel Kraft pelo qual paguei uma pequena fortuna, as far as cadernos go.

Por causa desse atraso, não posso ter certeza da validade da frase que segue. Mas acho seguro afirmar que foram raras as vezes em que um livro brasileiro poderia estar numa hipotética lista minha de melhores do ano. Alguns romances de Machado de Assis e os contos de Rubem Fonseca, certamente; quando era menor, O gênio do crime, O caso da borboleta Atíria e os livros de Monteiro Lobato. Posso estar cometendo uma injustiça, mas não consigo pensar em mais nada.

Por isso fico particularmente feliz, de um jeito tolamente nacionalista, após terminar de ler Aqueles cães malditos de Arquelau, de Isaias Pessotti. Não fosse Amor para sempre, do Ian McEwan, Pessotti estaria concorrendo ao posto mais alto do meu top 5 livros 2005, possivelmente desbancando Coetzee, Roth, Updike e outros McEwan. É verdade que há nessa minha admiração pelo romance muito de idiossincrático: sempre fui um sucker por livros de mistério, e livros de mistério eruditos, na tradição de Umberto Eco, são ainda mais saborosos - e um prazer menos culpado. Impossível resistir a um romance policial em que o grande mistério é a identidade de um bispo do século XV, tradutor de Eurípides para o latim, e os detetives são estudiosos de um pequeno instituto de pesquisa milanês, especialistas em temas como o teatro clássico grego ou a idéia de loucura na antiguidade. Mas quem acha que notas são objetivas é o Tija.

Arquelau ainda traz entrelaçamentos históricos entre as épocas de Eurípides, do misterioso tradutor e dos irreverentes pesquisadores; uma história de amor suave e honesta, cujo desenlace Pessotti tem a decência de não revelar; e descrições generosas de lautas refeições italianas (os detalhes de arquitetura e pintura antiga também estão presente, mas não me comovem tanto). A multiplicidade de investigadores permite que os conhecimentos de um complementem o do outro, ou melhor ainda, que várias pessoas cheguem à mesma conclusão por métodos bem distintos. Os diálogos entre os pesquisadores do Instituto Galilei são deliciosos, misturando uma obsessão adolescente por injuriar o interlocutor com demonstrações orgulhosas de erudição. A solução do mistério é satisfatória e paulatina, sem nenhuma intenção abusada de surpreender o leitor. O título é perfeito.

Bisbilhotando pela Internet encontrei uma breve resenha de O manuscrito de Mediavilla, também de Pessotti, sobre uma equipe de professores que descobre uma biblioteca de documentos raros e começa a pesquisar a história da Ordem dos Templários. Com aquele entusiasmo infantil de leitor que sentiu pena de se separar de bons personagens, espero que os professores sejam os nobres membros do Instituto Galilei; e ainda que eu tema certo enfado se Pessotti tiver apenas escrito mais do mesmo, confesso que é isso o que desejo encontrar.

4/5

Minha vida, minha obra - 1

Antes de uma grande arrumação - de livros, roupas, cds - é necessário que eu faça uma grande bagunça: tiro tudo do lugar e espalho pelo meu quarto, geralmente em cima da minha cama. Quanto mais caos for provocado nessa primeira parte da arrumação, melhor, porque se torna impossível desistir no meio da tarefa.

Tuesday, July 12, 2005

Lost in translation

José Antonio Rivera, em O que Sócrates diria a Woody Allen, analisa questões filosóficas a partir de diversos filmes. Ao falar de Calle Mayor, filme espanhol de 1959, Rivera define prazer como a sensação que sentimos ao percorrer o trajeto do desconforto para a comodidade: o prazer de comer existe porque saciamos a fome, o do sexo porque saciamos nossos desejos e assim por diante. Não estou com o livro, mas se não me engano é de Nietzsche que Rivera toma essa idéia - que se opõe à de um filósofo latino (Cícero?), para quem o prazer era viver na comodidade, evitando tanto a escassez quanto o excesso.

Rivera discorda do filósofo latino que talvez se chame Cícero por achar que a comodidade, se muito prolongada, leva ao tédio: após um tempo, o que era cômodo se torna escasso, e precisa-se de mais do mesmo para se sentir satisfeito. Em Calle Mayor, a vida de uma cidadezinha espanhola é tão parada que alguns dos seus moradores buscam prazer ridicularizando e humilhando os outros, a única forma que conseguem conceber para escapar da irritante comodidade das suas vidas.

No fim do livro, ao comentar Casablanca, Rivera volta à diferença entre prazer e comodidade: para ele, Bogart diz para Ingrid Bergman partir por saber que nada seria igual se ela ficasse, por preferir a lembrança de um momento sublime - We'll always have Paris - ao risco de transformar o amor em constância e depois em tédio. Rick sabe que o que eles sentem não pode durar.

A explicação serve aos propósitos do livro, mas não casa com o que me lembro de Casablanca: a história do filme é a de um cínico que ama tanto uma mulher que decide se tornar um homem melhor, o que infelizmente implica em deixar a amada partir com um líder da resistência. Como resumiu brilhantemente o tão menosprezado Veríssimo, numa crônica em que o narrador encontra Rick numa espelunca parisiense: Por um sorriso daqueles um homem sacrifica até mesmo sua falta de ideais.

Encontros e desencontros é um exemplo melhor para Rivera. Bob e Charlotte estão entediados num hotel em Tokyo até que se encontram, mas no fim do filme se separam: Bob vai voltar para casa, mulher e filhos, Charlotte continuará esperando seu marido egocêntrico. Charlotte diz a Bob para ficar, mas ele vai; do táxi ele a vê andando de costas pelas ruas; ele salta, se apressa, alcança-a; murmura algo em seu ouvido; os dois se beijam e ele vai emora. Fim do filme.

Não pensei muito sobre o que Bill Murray murmura no ouvido de Scarlett Johansson até rever parte do filme nesse domingo, no Telecine, e me lembrar do livro de Rivera, que li semana passada. Acho que Bob e Charlotte entendem o que Rivera quis dizer. Numa noite em que os dois, insones, ficam no quarto de Bob assistindo a La dolce vita e falando sobre a vida, Charlotte diz, Let's never come here again because it will never be as much fun. Os dois não gostam da idéia de se separar, mas gostariam menos ainda de ficar juntos e deixar todo aquele prazer se transformar em comodidade.

Por isso, acho que Bob se inclina sobre Charlotte e murmura: It's alright. We always knew. Let's not cry and let's not sorrow and let's never meet again because it will never be as much fun. Ok? E ela responde, Ok.

3,5/5

PS: A menos de três semanas do meu casamento, não há como concordar com Rivera, Nietzsche, Bob e Charlotte: nem todo prazer se transforma em comodidade, e nem toda comodidade é desprovida de prazer. Mas a decisão do casal merece respeito.

Sunday, July 10, 2005

Sai, Mainardi, sai

Você está com a Veja nova, aquela com a foto do Lula na capa e a legenda "Ele sabia?"? Se tiver, leia a coluna do Roberto Pompeu de Toledo e a do Diogo Mainardi. Compare o estilo elegante do primeiro com as irritantes frases telegráficas do segundo; o tom irônico do primeiro com os ataques arrogantes do segundo; os argumentos bem estruturados e bem expostos do primeiro com a "proposta" sem pé nem cabeça do segundo. Observe como o primeiro se sustenta em idéias enquanto o segundo confia em frases de efeito. Pense no primeiro como Coetzee* e no segundo como Sidney Sheldon, e veja se a comparação não faz sentido. E depois se pergunte o que os dois estão fazendo na mesma revista. Se você souber a resposta, por favor, me diga.

*Aliás, se você estiver também com a Folha de São Paulo, leia no Caderno Mais! o artigo de Coetzee sobre a vida de Faulkner. Uma beleza.

Friday, July 01, 2005

Batman begins

Não é o único a se tornar super-herói depois de uma tragédia: Peter Parker também precisa perder o tio para compreender que with great power comes great responsibilities. Mas Parker já tinha super-poderes e era um adolescente quando a tragédia chega; Bruce Wayne era um moleque comum, cujo único poder digno de nota é a herança da maior fortuna de Gotham City. Por isso um dos acertos narrativos de Batman begins é demorar-se no treinamento de Bruce. Não dá tão certo quanto poderia, mas a idéia é boa: uma das diferenças capitais entre Batman e os outros super-heróis clássicos, todos seus inferiores*, é que seus poderes não surgem após a picada de uma aranha radiotiva, ou uma mutação genética, ou simplesmente por ser ele um alienígena humanóide: a única característica sobre-humana de Batman é sua vontade, tão imensa que não poderia ter surgido na mente de uma pessoa sã. Batman só é um super-herói por ser completamente maluco.

E daí chegamos a outro grande acerto do filme, a conversa final entre o agora tenente, breve comissário Gordon e Batman. (Quem for como eu e já estiver irritado pela revelação de que o filme termina com uma conversa entre os dois que pare de ler aqui.) Parafraseando o policial: "Nós compramos pistolas, eles arranjam metralhadoras; nós usamos coletes, eles usam balas perfurantes; e agora você se vestiu de morcego e anda pelos telhados da cidade." É a deixa para apresentar o Coringa, o primeiro dos muitos maníacos que nascerão em Gotham City simplesmente porque o Batman está lá. Certo, o primeiro plano de destruir a cidade era pré-morcego gigante, mas a partir daí todos se devem a ele. O fim do filme se aproxima da verdade que Alan Moore e Grant Morrison retrataram de forma tão brilhante em A piada mortal e Asilo Arkham: no estranho mundo de Gotham City, só a loucura derrota a loucura, para o bem ou para o mal.

3/5

*Clássicos porque os personagens criados por Alan Moore em Watchmen possivelmente igualam o Batman - talvez não todos, mas o Rorschach é sério candidato. Um homem que vira super-herói porque seus pais foram mortos por um bandido de meia-tigela ou um que resolve matar criminosos porque uma menina foi raptada, morta e dada de comer a dois cães? Hmm.