Tuesday, June 28, 2005

Silvio Luiz

Alguns anos atrás, na época em que a Band era o canal do esporte, saiu um anúncio de jornal com uma pesquisa em que o Luciano do Valle era consagrado de goleada como o melhor narrador de futebol do Brasil, superando Galvão Bueno em muitos pontos percentuais. O tempo passou, a Band deixou de transmitir jogos esdrúxulos do Campeonato Carioca à noite (era segunda e terça?), o Luciano do Valle sumiu. Galvão está cada vez pior, mas não tem ninguém para desafiá-lo, só o Arnaldo.

Mas eu queria mesmo era falar do Silvio Luiz. Luciano do Valle, claro, era melhor do que o Galvão - quem não é? Mas não era o melhor narrador do Brasil: ele era, parafraseando o jovem Stephen Dedalus, muito paulista demais. O melhor, o mais engraçado, o dono dos melhores bordões, o mais impaciente com repórteres idiotas, era Silvio Luiz.

Era. Silvio Luiz está exilado na Band Sports, e nesse exato momento narra os últimos segundos de Argentina 2, Brasil 1, pelas semifinais do Mundial Sub-20. Está péssimo. O jogo não ajuda, mas para quem narrava Botafogo e Volta Redonda ou amistosos de Masters, com o Edu gordo feito um boi premiado, não deveria ser problema.

Acabou o jogo, felizmente. Silvio Luiz desistiu de narrar os jogos. É parente de alguém na Band Sports, ou sabe que seu nome ainda atrai algumas pessoas, sei lá: o fato é que ele se comporta exatamente como um hipotético cidadão gordo, sem cmaisa e com uma lata molhada de cerveja na mão se comportaria se estivesse sentado ao meu lado no sofá. "Vai, vai, vai! Mete ali, ali! Não, assim não vai dar"; "Pega, pega! Deixa passar não! Eles tão trocando bolinha na nossa cara, porra!"; "Segura, segura, segura. Ai, isso não vai dar certo. Vamo ver... E foi. Queimou o filme" e por aí vai. Comentários dispersos e instruções sem sentido, a isso se reduziu o melhor exemplar da triste raça de narradores esportivos que tive o prazer de ouvir. Pena.

Monday, June 27, 2005

Transcendência

Franz Ferdinand é bom, sim, é bom. Dandy Warhols também. Black Rebel Motorcycle Club tem pelo menos duas boas músicas e um nome genial. Gorky's também, Super Furry Animals também. Todas bandas boas, com músicas boas e/ou excelentes. Mas elas não transcendem. Radiohead, Pulp, Velvet, Pink Floyd, Smiths transcendem.

Saturday, June 25, 2005

Para evitar o arrendamento

Impressionante como a síndrome de abstinência da Internet é fraca. Durante os períodos mais intensos do vício parece impossível seguir vivendo sem ler quatro blogs e escrever dois posts por dia, além de passar por jornais e revistas eletrônicas. Aí você fica ocupado, depois cansado, depois sem saco, depois gripado, e pronto, mais de uma semana com doses homeopáticas de Internet. Acontece o mesmo com séries de televisão: o segredo é fazer o espectador pensar que está viciado, mas na verdade é bem fácil seguir a sugestão da MTV e desligar a TV para ler um livro. O computador também. Mas escrever no blog é divertido, então vou tentar voltar de vez em quando. Quando as coisas no mundo real assentarem, se é que elas vão assentar algum dia, tentarei voltar ao alucinante ritmo dos últimos dias do meu trabalho.

Wednesday, June 15, 2005

Preparatory to anything else

Comprei hoje a nova edição de Ulisses, da Objetiva. É bonitona: não costumo gostar muito de sobrecapas (ou seja lá qual for o nome certo daquela capa extra de papel que alguns livros mais chiques têm), mas essa funciona bem: é translúcida, e dá um efeito bonito sobre a capa verdadeira. As firulas também são bem legais: introdução e copiosas notas da tradutora, mapa de Dublin com indicações dos locais em que ocorrem diversos eventos do romance, a obrigatória tabela com aquele esquema semi-picareta de episódios homéricos, cores, órgãos do corpo, estilos literários etc.

E a tradução? Meu chute é que deve ser melhor do que a do Houaiss, que piorou muito com a releitura de alguns trechos. Só não sei se a Bernardina da Silveira Pinheiro não tornou o texto um pouco coloquial demais. Soa esnobe essa afirmação, mas explico: Houaiss pecou pela afetação no traduzir, e talvez a nova tradutora, ciente das falhas do pioneiro, tenha se afastado demais na outra direção. O pecado menos grave, na minha opinião, seria o dela: mas é uma pena que as palavras-valise de Houaiss, às vezes tão boas quanto as de Joyce, não tenham sido aproveitadas nessa nova versão. Pode ser um problema de direitos autorais, sei lá, mas todo tradutor deveria poder usar as boas idéias dos predecessores.

Enfim. É amanhã. Introibo ad altare Dei.

Thursday, June 09, 2005

Anúncio à nação

Eu, Lucas Herdy Gondim Murtinho, declaro que li e gostei de O código da Vinci, de Dan Brown.

Não, brincadeira. Mas se eu tivesse lido, provavelmente teria gostado. O estilo é ruim: li os dois primeiros capítulos num daqueles folhetinhos promocionais que alguém pôs na minha sacola antes do lançamento do livro, e não gostei nem um pouco - o conto anônimo de As 100 melhores histórias eróticas de todos os tempos, ou coisa que o valha, era muito melhor. Mas a história deve ser envolvente: é uma teoria conspiratória, pombas, e uma que irritou a Igreja Católica. Diversão garantida.

Ser exigente e severo e tal e coisa dá respeitabilidade à opinião, mas às vezes é chato pra burro. E nem digo pros outros, pra quem pode ficar pensando que fulano e beltrano são pentelhos que não gostam de nada: é chato pra fulano e beltrano mesmo. Há filmes, livros e mesmo músicas que podem ser muito agradáveis se uma ou duas chaves de exigências críticas do nosso cérebro forem desligadas. Faço isso um bocado, especialmente no cinema: identifico o que me incomoda nos filmes e deixo de me incomodar, e pronto, ele diverte. Claro que, no momento de dar notas (ou, como nossa prolixa comentadora prefere, adjetivar), as chaves devem estar ligadas de novo. Mas enquanto o filme passa, ser benevolente é bem mais satisfatório.

O gosto da sacarina

Uma das melhores letras de uma das melhores bandas dos anos 90. Atenção para a última estrofe:

Oh, the word's on the street
You've found someone new
If he looks nothing like me
I'm so happy for you

I heard an old girlfriend
Has turned to the Church
She's trying to replace me
But it'll never work

'Cos every touch reminds you of
Just how sweet it could have been
And every time he kisses you
It leaves behind the bitter taste of saccharine

A bad cover version of love
Is not the real thing
Bikini-clad girl on the front
Who invited you in

Such great disappointment
When you got him home
The original was so good
The one you no longer own

And every touch reminds you of
Just how sweet it could have been
And every time he kisses you
You get the taste of saccharine
It's not easy to forget me
It's so hard to disconnect
When it's electronically reprocessed
To give a more lifelike effect

Now come on!
Oh, sing your song

About all the sad imitations
That got it so wrong...

It's like a later Tom and Jerry
When the two of them could talk
Like the Stones since the 80s
Like the last days of Southfork
Like Planet of the Apes on TV
The second side of 'Til The Band Comes In
Like an own-brand box of cornflakes
He's gonna let you down, my friend

Tell me 'bout it...

Não é linda essa idéia de bad cover version, e não são lindas as comparações de Mr. Cocker? Outros exemplos vêm à mente: Woody Allen depois de Desconstruindo Harry (embora o Tija diga que esse agora seja bom), ou Matadores de velhinhas. Pink Floyd poderia substituir Stones na letra sem problema algum. E o que seria um desenho com falantes Tom e Jerry? Sorte que nunca vi nenhum desses.

E quando você pára pra pensar, muita coisa que parece ser boa, e no fundo, vá lá, é boa mesmo, são bad cover versions de coisas melhores. Acho que a idéia surgiu quando eu estava terminando de ler Encontro em Hong Kong, do Alain Robbe-Grillet, e finalmente entendi de onde veio a chatice de Estorvo e a qualidade de Budapeste, do Chico Buarque. Nouveau roman na veia do rapaz. Dizem também que Nós que aqui estamos por vós esperamos é bad cover version descarada de um filme do Dziga Vertov - Um homem e uma câmera ou Cinema-olho, não sei bem, minha cultura cinematográfica só começa mesmo a poder enganar alguém a partir do Kubrick. E, sim, por mais que eu goste de AI, aquilo é uma BCV do mestre. Mas é um daqueles casos em que imitar alguém melhor é preferível a buscar o próprio estilo. Homenageie away, Spielberg.

Tuesday, June 07, 2005

Feitos

Li: Kaspar Hauser, numa tradução péssima e edição idem. Achava que a Topbooks seria uma boa e séria editora, mas esse cartão de visitas foi decepcionante. Certo, a capa é bonita, o título do livro é o máximo, mas nada mais. Deu-me a impressão de que seria ruim mesmo se tradução e edição fossem boas. Como ando muito bonzinho ultimamente, dei um zero.

Li: O destino bate à sua porta, de James M. Cain. Kaspar Hauser estava tão ruim que ontem resolvi dar um tempo e ler esse noir fininho e recém-adquirido. É o noir americano clássico, como a orelha espertamente reconhece para logo depois afirmar que esse é bom porque é o primeiro. Gosta-se de Shakespeare quando ele escreve que life is but a play pelo mesmo motivo, então eles têm um ponto. A orelha também diz que o livro foi influência direta para Camus escrever O estrangeiro, o que é bom. E, o que realmente importa, o livro em si é bom. Rápido, seco, não se perde muito tempo com - com nada, na verdade. Foi bom pra desintoxicar.

Li: Washington Square, de Henry James. Um romance de começo de carreira, tão começo que ainda é ambientado em Nova York. James tem um estilo quase pedante que influenciou um bocado o Ian McEwan e na maior parte do tempo é bem divertido, mas nesse romance achei que a ironia por baixo da circunspecção estava um pouco exagerada, um pouco evidente demais. Tipo o Sérgio Sant'Anna falando sobre Machado de Assis na FLIP do ano passado: "essa ironia de novo?" Mas é bom, muito bom, e no final, quando fica mais sério e a ironia se recolhe um pouco, fica ainda melhor.

Tem mais, mas vou sair agora. Até.

Poderia ter sido e não foi

Tive uma idéia para um curto conto à moda de Borges, mas ficou ruim quando tentei escrever. É sobre um homem que adora o ato físico de escrever, mas não tem talento nem paciência para se preocupar com estilo ou trama: ele gosta de preencher folhas de papel com caracteres e só. Um dia resolve copiar seu livro preferido, e quando termina decide fazer uma cópia da cópia, e assim por diante. Quando ele morre, encontram apenas a última cópia pronta entre seus pertences. Corta para décadas depois, quando um crítico literário lança um livro dedicado ao único romance daquele calígrafo recluso, considerado um dos melhores do seu século. Nesse ensaio, o livro preferido do calígrafo só é citado numa nota, para lembrar o leitor da semelhança entre os nomes dos protagonistas dos dois romances. E termina aí.

Dadaísmo em tempos de crise

Ameixa podre serena completamente bizarra esquizofrênica meiga tremulando bastarda eternamente pequena soberbamente calada fúria maldita bandida gosto risada