Monday, January 03, 2005

O dinheiro não é nosso

O Alexandre Cruz Almeida, do Liberal Libertário Libertino (http://liberallibertariolibertino.blogspot.com), é mestre em criar, incentivar ou descobrir polêmicas. Uma das últimas surgiu de um artigo no site do Ayn Raid Institute, escrito por David Holcberg (http://www.aynrand.org/site/News2?page=NewsArticle&id=10688&news_iv_ctrl=1021), dizendo que o governo dos Estados Unidos não deveria enviar dinheiro para auxiliar as vítimas do maremoto no sudeste asiático. O raciocínio é simples: o dinheiro de que o governo dispõe não é dele e sim dos contribuintes; portanto, tal dinheiro deve ser utilizado para melhorar a vida dos americanos, não de africanos com AIDS ou indonésios ou europeus após a Segunda Guerra.

A primeira falha no raciocínio de Holcberg está no início: o dinheiro do governo é do governo mesmo, não nosso. Imposto não é roubo. A imensa maioria da sociedade considera o governo, na pior das hipóteses, um mal necessário. Ele funciona como um imenso condomínio, ao qual todos temos que contribuir e cujas decisões todos devemos acatar – embora possamos criticá-las e, através do sistema político, alterá-las. O importante é lembrar que o dinheiro do condomínio é do condomínio e não dos condôminos. Um condômino não pode exigir seu dinheiro de volta se os demais decidirem pintar o prédio, ou dar um presente ao porteiro, ou construir uma estátua do síndico no pátio.

(Um condômino, por outro lado, pode se mudar. Seria simpático dar a cada cidadão a escolha de viver ou não sob um regime governamental, mas por razões práticas isso não é possível. Talvez os anarquistas pudessem arrendar uma ilha no sudeste asiático e viver por lá com um governo mínimo. Só não esperem ajuda em caso de maremoto.)

Além disso, Holcberg é ingênuo ao implicitamente considerar como frutos do altruísmo as diversas ocasiões em que os Estados Unidos deram auxílio monetário a outros países, como se não houvesse motivos egoístas para fazê-lo. O Plano Marshall, que Holcberg entrega de bandeja para quem não concorda com seus argumentos, é um exemplo clássico e óbvio: a idéia não era ajudar os coitadinhos dos europeus, e sim conter o avanço do comunismo. O cálculo político foi no mínimo tão determinante quanto os sentimentos humanitários para determinar a ajuda americana aos países europeus após a Segunda Guerra Mundial.

Ajudar vítimas da AIDS na África ou do maremoto no sudeste da Ásia, guardadas as proporções, é a mesma coisa. Seria politicamente muito ruim para os Estados Unidos se eles não oferecessem ajuda às vítimas do maremoto, e não foi à toa que o valor a ser oferecido aos países atingidos pela catástrofe foi decuplicado após uma grita generalizada contra a quantia inicial. Quando não há tal grita, é bem comum que os países, por mais necessitados, não consigam ajuda alguma. Ruanda está aí para provar. A noção de que o governo deveria gastar dinheiro apenas de forma a ajudar diretamente seus contribuintes, se ancorada em outro argumento que não “o dinheiro é nosso”, pode ser moralmente aceitável, mas é estrategicamente estúpida.

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