Monday, January 31, 2005

Clube de leituras - "Crime e castigo"

A ambição de Raskólnikov

É curioso que o Alexandre, criador desse clube de leituras virtual, esteja terminando seu texto sobre a ambição no mesmo dia em que abre as discussões sobre Crime e castigo, de Fiodor Dostoiévski. O evento central do romance - o assassinato de uma usurária e sua irmã - é motivado justamente pela estranha ambição do protagonista da obra, Ródion Románitch Raskólnikov.

Ex-estudante de direito, Raskólnikov desenvolve uma teoria que divide as pessoas em dois tipos, ordinários e extraordinários. Ordinários são as ovelhas do rebanho, não necessariamente estúpidos mas incapazes de realizar mudanças. Extraordinários são os pastores, os que ditam os rumos e alteram as regras. Pessoas extraordinárias muitas vezes se vêem forçados a cometer um crime para alcançar seus objetivos, e não hesitam em fazê-lo - e não se pode culpá-las: apenas quebrando as leis antigas é possível instituir as novas.

A ambição de Raskólnikov o faz julgar-se uma pessoa extraordinária, mas ele é um ex-estudante miserável que só se sustenta em São Petersburgo graças aos rublos que a mãe vez por outra lhe envia. Para voltar à faculdade e iniciar sua ascensão (social, intelectual, cultural), Raskólnikov decide matar Aliena Ivánovna e roubar seu dinheiro. O motivo do crime, porém, é um pouco menos direto, mais confuso: ele quer provar para si mesmo sua capacidade de infringir a lei se necessário; quer provar para si mesmo que é extraordinário. Tanto é assim que Raskólnikov deixa para trás a maior parte do dinheiro da sua vítima e sequer se preocupa em verificar quanto roubou.

Raskólnikov tem alguns traços de gênio incompreendido: lamenta sua pobreza, o estado do qaurto em que habita e de suas roupas, mas parou de dar aulas e não aceita a proposta de seu amigo Razumíkhin para trabalhar numa tradução. A mistura de pobreza e ambição faz com que ele distorça a sua própria teoria: ele não é uma pessoa extraordinária quebrando uma lei para atingir seu objetivo, é uma pessoa cometendo um crime para se considerar extraordinária.

A tragédia pessoal de Raskólnikov é não fazer jus à sua própria idéia de gênio: após o assassinato ele tem febre, delira, desmaia, pensa em se matar, volta à cena do crime, desperta suspeitas na polícia e no juiz de instrução Porfiri Pietróvitch. A tragédia maior retratada pelo livro é a incapacidade de Raskólnikov de superar sua teoria, seu desgosto e seu ressentimento e perceber que cometeu um crime hediondo e mesquinho na sua simplicidade, e merece o castigo que virá.

O fim

A redenção de Raskólnikov no fim de Crime e castigo é decepcionante. Ainda no último capítulo do romance, o criminoso, já preso na Sibéria, lamenta sua decisão de se entregar, julgando os oito anos de trabalho forçado por que terá que passar inúteis, um desperdício de vida. Antes, ele recuara diversas vezes no momento da confissão. De repente, uma doença sua, outra da sua companheira - a angelical Sônia Semeónovna - e lá estão eles, de mãos dadas na Sibéria.

Dostoiévski faz a parte mais difícil ao pegar um personagem estranho, misantropo, arrogante e egoísta como Raskólnikov e transformá-lo num protagonista cativante, por quem o leitor torce mesmo enquanto ele faz as maiores grosserias e prova só pensar em si mesmo. A partir daí bastava cumprir a promessa do título e punir exemplarmente o criminoso, não lhe dar uma saída fácil e uma pena reduzida. O epílogo do livro é totalmente estranho a tudo que o precedeu - organizado e resumido em oposição ao extenso caos das seis partes do romance. É um final feliz forçado. Talvez não muito feliz, mas nesse livro qualquer fim que não seja inegavelmente trágico é alegre.

Nesse sentido, a verdadeiro maçã (mais explicações aqui) é A sangue frio, romance/reportagem de Truman Capote. Na história verdadeira do assassinato da família Clutter não há espaço para redenção: os assassinos, Perry Smith e Dick Hickock, são condenados à forca, ainda que haja dúvidas sobre a sanidade mental dos dois. Também eles cometeram seu crime por uma ninharia (cerca de 50 dólares, de acordo com este resumo do livro) e também para eles o crime era mais uma afirmação de superioridade do que uma forma de enriquecer.

(Outro tomate, embora um pouco mais distante da idéia de Dostoiévski, é o conto O assassinato, escrito por Tchekhov em 1895. Iákov Ivânitch mata seu primo Matviei, que morava com ele e sua família e criticava constantemente sua religiosidade excessiva. O crime acontece num impulso, bem diferente do ato calculado pelos criminosos dos livros de Dostoiévski e Capote; mas o castigo, para Iákov e sua família, é tremendo. No fim do conto não há nenhum resquício de redenção, apenas um carregamento de carvão que não acontece e um grupo de detentos que sai da prisão numa noite fria para nada.)

O idiota

Talvez seja por causa dos desfechos dos romances que prefiro O idiota a Crime e castigo. O príncipe Míchkin, protagonista do primeiro, é de certa forma o oposto de Raskólnikov - a contracapa da edição da 34 o descreve como uma "mescla de Cristo e Dom Quixote". Sua bondade e ingenuidade conquistam Nastácia Filíppovna, para desespero de Rogójin, seu antigo amante. Quem não quiser saber o fim do livro não leia o próximo parágrafo (nem a orelha da edição da 34).

Mas não há final feliz para o trio de protagonistas deste romance. Rogójin mata Nastácia após seu casamento com Míchkin - que, poço de bondade, termina acariciando o assassino à espera da polícia, e retorna ao estado severo de idiotia de que havia saído antes do começo do romance. Aqui Dostoiévski leva até o fim as consequências dos atos e caracteres (?) de seus personagens, criando uma situação tão inverossímil quanto brilhante. Em Crime e castigo, ele tira o pé do freio.

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Por enquanto é isso. Há mais para ser dito sobre o livro, mas minhas outras idéias não têm muita relação com o que está acima e o post já está grandinho. Depois escrevo mais.

Friday, January 28, 2005

Desprezo às sequências

Neste artigo da Salon, Brian Libby tenta demover Martin Scorsese da idéia de fazer uma sequência de Taxi driver:

It's not so much that we, your most loyal fans, doubt you and your old friend De Niro are up to the task of a worthy "Taxi driver" sequel (more on that later). It's that by making this new installment, you are inevitably changing the meaning of the original film. And that's a risk that we can't let even the movie's creators take.

Libby has a point, mas acho que ele não devia se preocupar tanto com a possibilidade de o filme original perder força por causa da sequência. Porque Taxi driver é um filmaço, e grandes filmes têm um jeito infalível de lidar com sequências ruins: desprezando-as.

Pelo menos um exemplo está no próprio texto de Libby: A chave do enigma, sequência de Chinatown dirigida por Jack Nicholson. Não vi o filme, mas acho bem provável que ele seja pretty lame, como diz Libby. Quem se importa? Chinatown não ficou menos obra-prima por causa dele. Tubarão é outro filme imune ao fracasso das suas sequências, e elas até fizeram algum sucesso nos cinemas. E quem sabe que fim levou a sequência de Golpe de mestre?

Mas meu caso preferido de desprezo às sequências é musical e não cinematográfico. Squeeze, oficialmente o último álbum do Velvet Underground, é totalmente ignorado por fãs e críticos musicais. As far as we care, o último disco do Velvet é o sensacional Loaded e Doug Yule que se foda. Gosto de pensar que a pequena discografia do Velvet é considerada brilhante demais para ser maculada por um trabalho sem nenhum dos seus integrantes fundadores.

At ease, Libby. Travis Bickle está a salvo até mesmo da intervenção de seu criador.

Pelos olhos de um estranho

Thursday, January 27, 2005

No Paul Giamatti nomination?

Artigo divertido na Salon sobre por que alguns são indicados ao Oscar e outros não. O último parágrafo, porém, é meio esquisito, exortando Paul Giamatti a procurar um roteiro com The Role, aquele tipo de personagem a que a Academia não resiste nunca - muita maquiagem, muito peso ganho, drogas, redenção, por aí.

Mas tudo indica que Paul Giamatti está cagando para o Oscar. É claro que, depois de American Splendor, Storytelling e um bocado de grandes papéis pequenos, ele merece, mas e daí? Ele que continue na dele, saindo com a família em vez de jantar com jornalistas para fazer campanha. Como evento maior da indústria, o Oscar é divertido, mas só serve mesmo pra aumentar o salário dos ganhadores. A não ser que o leite das crianças fique um bocado mais caro, Giamatti não perde nada por não ter em casa uma estátua dourada de um careca com cara de bunda.

Mais gratuito ainda

Rapaz. E o que dizer, então, de um blog com nome em élfico?

Wednesday, January 26, 2005

Gratuito

Dá pra levar a sério um blog com nome em latim?

Fôlego

Todo escritor que fala sobre o assunto diz que contos e poesias são muito mais difídeis de se escrever do que romances. Faulkner: I'm a failed poet. Maybe every novelist wants to write poetry first, finds he can't and then tries the short story which is the most demanding form after poetry. And failing at that, only then does he take up novel writing. DBC Pierre, ganhador do Booker Prize por Vernom God Little, em entrevista à Folha: Contos são uma modalidade muito difícil, um passo em direção à poesia, onde cada palavra é calculadamente importante. Em um romance você tem direito de perder-se dentro de uma pintura mais ampla. Moacyr Scliar também defende os contos, diz que neles o escritor pode errar menos, mas não tenho link para a sua declaração. Confiem em mim.

O raciocínio dos três escritores é o mesmo: num romance a margem de erro é maior, o escritor pode se dar ao luxo de não se atormentar tanto com uma palavra específica. O economista que sou há doze dias pode ver a questão em termos de utilidade marginal decrescente: quanto mais palavras num texto, menor é o valor médio das palavras, e menor o dano se uma palavra não é a ideal. Pense no famoso menor conto do mundo, de Augusto Monterroso: Cuando despertó, el dinosaurio todavía estaba allí. O valor médio de cada uma das sete palavras e dois sinais de pontuação que o compõem é considerável. Agora imagine o valor médio de uma palavra, sei lá, de Oliver Twist, ou A fogueira das vaidades. Ou mesmo d'O arco-íris da gravidade, cujo valor agregado é enorme. Quanto mais palavras, menos poder individual elas têm.

A maneira fácil e canhestra de refutar o pensamento de Faulkner e agregados é responder que a margem de erro do romance pode ser reduzida se o escritor quiser: pode-se ter com as palavras de um romance de 800 páginas o mesmo cuidado que Monterroso teve ao criar seu pequeno conto. Ulisses é um bom exemplo de grande romance, em tamanho e qualidade, em que cada palavra foi pensada com cuidado. Finnegans wake é um exemplo ainda mais extremo, em que cada palavra recebe uma atenção tão grande que a frase fica em segundo plano - e o contexto, coitado, esse é chutado para longe.

Mas essa refutação faz água. A margem de erro do romance não pode ser unilateralmente reduzida pelo escritor, a não ser em alguns casos raros: ele precisa conseguir o apoio do leitor. E nós, leitores de prosa, somos um pouco frívolos em relação a palavras. Preferimos frases, às vezes até parágrafos, nos distanciando dos leitores de poesia de forma tão radical que é quase impróprio usar o mesmo termo para designar os dois grupos. Eles sim, amam a palavra, seu som, seu tamanho, às vezes até, se a poesia for concreta, seu desenho. Tarados.

Portanto, como bons não leitores de poesia que somos, mantemos com a palavra uma relação respeitosa, muito distante da obsessão. Mas ora bolas, se não somos obcecados pelas palavras, os romancistas também não precisam ser. Podem escrever com uma margem de erro maior. Faulkner e coleguinhas estão certos. Não, estão errados, mas essa era a refutação canhestra, lembram? Ela não dá em nada mesmo. A refutação correta é argumentar que, apesar de ganhar uma folga na busca pela palavra exata, o escritor de romances deve em troca enfrentar uma dimensão que o contista e o poeta ignoram. O romancista precisa de fôlego.

Foi fazendo uma analogia com corredores que cheguei a essa conclusão. Uma pessoa que participa de uma corrida de cem metros rasos não precisa se preocupar com nada mais além de correr o mais rápido possível. Na preparação de uma corrida curta há, imagino, um trabalho de artesão, uma preocupação extrema com os menores detalhes: passada, respiração, largada, postura, concentração. Mas se tem uma coisa que não preocupa muito o corredor de curta distância é perder o gás no meio do caminho.

Já o maratonista - ou, para a comparação ficar mais modesta, um fundista qualquer - não precisa ser tão rápido, mas precisa de uma boa estratégia. O fundista deve correr no ritmo certo, sem gastar toda a sua energia antes do fim da prova nem deixar alguém abrir muita vantagem. E o ritmo certo muda à medida que a prova avança: no começo vale a pena forçar um pouco a barra, para provocar o cansaço alheio e não sair das primeiras posições. Depois se segue um período grande de ritmo constante, e no fim quase sempre deve-se dar um gás, pra garantir a vitória ou surpreender os que estão na frente. E essa é apenas uma, talvez a mais popular, das estratégias possíveis em uma corrida de longa distância.

O romancista enfrenta o mesmo desafio, e ignorá-lo quase sempre significa perder a corrida. André Sant'Anna é um puta contista, mas o único romance dele que li, Sexo, é decepcionante. O estilo radicalmente simples e descritivo, que seria uma maravilha num conto de vinte, vinte e cinco páginas, não faz mais sentido quando se chega à página cinquenta. Falta fôlego: depois do ritmo forte do começo, Sant'Anna não tem mais nada para oferecer.

Cada romance tem seu ritmo próprio, seu fôlego particular. The child in time, de Ian McEwan, é um exemplo daquela estratégia padrão descrita acima: o romance começa muito forte, diminui o ritmo no meio (e divaga tanto que quase foge da pista), acelera no fim. Em Reparação, McEwan usa uma estratégia diferente, começando com calma, acelerando já quase no meio, voltando a um ritmo moderado e trapaceando com uma Ferrari nas duas últimas páginas. Em Sobre heróis e tumbas, Ernesto Sabato mantém o mesmo ritmo nas duas primeiras parte e de repente dispara na terceira, o sensacional "Informe sobre cegos"; corrida ganha, a quarta parte vai num passo mais sossegado até o fim.

Agora estou relendo, para o clube de leituras do LLL, Crime e castigo. Dostoievski escreve num ritmo alucinado, tanto que às vezes parece estar sem rumo, mas ele sempre dá um jeito de ficar na direção certa. Desconfio que um dos principais motivos por que ele é considerado um dos maiores escritores de todos os tempos é sua capacidade de manter um ritmo tão forte quase o tempo todo, sem perder o fôlego nem cansar o leitor. (Se me lembro bem, uma das poucas passagens de Crime e castigo em que o ritmo diminui é o suicídio de Svidrigáilov. Mas minha memória é tão ruim que corre o risco de Svidrigáilov nem ter se suicidado.)

O ritmo pode ser o mais estranho, desde que o fôlego não se perca. E perder o fôlego é fácil. Faulkner talvez estivesse sendo modesto na sua declaração, ou talvez a abundância de fôlego em sua obra não o fizesse ver que ele poderia faltar. Mas quando falta o romance não se salva. É a manutenção do fôlego o que torna a feitura de um romance muito mais desafiadora, e interessante, do que a de um conto ou poema.

Tuesday, January 25, 2005

Debaixo da Cama

Uma cama larga, simbolizando o país. Sobre a cama, não me pergunte como, um reacionário, simbolizando as classes dominantes, sua mulher frívola e infiel, simbolizando a incosciência nacional, e um doido, simbolizando um doido. Fala o doido:

-Esse ruído...

-Que ruído? Pergunta o reacionário.

-Debaixo da cama.

-Não ouvi ruído nenhum.

-Exatamente. Não é estranho? O jacaré está quieto.

-Que jacaré?

-O jacaré embaixo da cama.

A mulher frívola e infiel dá um grito abafado. O reacionário diz:

-Não há jacaré nenhum embaixo da cama.

O doido faz uma cara de triunfante e pergunta:

-Se não há jacaré embaixo da cama, então o que é que está em silêncio?

A lógica do argumento é inatacável. E, a julgar pelo tamanho do silêncio, o jacaré é enorme.

-Por que será que ele está quieto? – pergunta o reacionário.

-Não sei – diz o doido. – A não ser que ele tenha comido alguém...

A mulher frívola e infiel leva as mãos à boca mas deixa escapar um nome:

- Danilo!

- O quê? – dizem o reacionário e o doido juntos.

- Nada, nada...

Mas ela desaparece sob o lençol para chorar seu amante. Danilo, comido por um jacaré embaixo da cama! E com o pijama novo que ela lhe deu.

- O jacaré deve ter comido o comunista – diz o reacionário.

- Que comunista?

- Tem sempre um comunista debaixo da cama.

- Depois eu é que sou doido...Não tem comunista nenhum debaixo da cama.

- Se o jacaré comeu, não tem mesmo.

-Só há uma maneira de sabermos o que realmente aconteceu – diz o doido, sensatamente. Olharmos debaixo da cama.

Os dois espiam embaixo da cama e vêem um moço de pijama novo, que sorri sem jeito.

O reacionário endireita-se na cama e começa a refletir. Olha para o doido, depois olha para sua mulher que chora. Aos poucos, vai se dando conta da situação.

- Meu Deus! – exclama.

- O quê? – diz o doido, pensando que é com ele.

- O comunista comeu o jacaré!


LFV



Monday, January 24, 2005

Inícios de piadas

Um português vinha andando pela rua.

Uma loira vinha andando pela rua.

Um português vinha andando pela rua quando topou com uma loira.

Mineirinho vinha andando pela rua.

Mineirinho vinha andando pela rua quando topou com seu amigo português e uma loira.

Um português entra na loja de animais para comprar um papagaio.

Um português entra na loja de animais para devolver um papagaio.

No meio do enterro da avó do português, um papagaio aparece e pousa no caixão.

No meio do enterro da avó do Mineirinho, um papagaio aparece e pousa no nariz da velha.

Mineirinho morre e vai pro céu.

Na porta do céu, esperam na fila um alemão, um americano e um português.

Um alemão, um americano e um português são candidatos a fazer o primeiro vôo tripulado a Marte.

Um alemão, um americano e um brasileiro escapam de um naufrágio e vão parar numa ilha deserta.

Três loiras estão numa ilha deserta.

Um homem e a Cindy Crawford estão numa ilha deserta.

O Grande Otelo e a Cindy Crawford estão numa ilha deserta.

Um anão e a Cindy Crawford estão numa ilha deserta.

Um anão entra no mosteiro para falar com um seminarista.

Os sete anões chegam ao Vaticano e pedem para falar com o Papa.

Os sete anões morrem e encontram São Pedro no céu.

Lula morre e encontra São Pedro no céu.

Larry Rother e Lula morrem e vão pro inferno.

Tony Blair, Bush e Lula morrem e vão pro inferno.

Um anão e um travesti desdentado entram num bar carregando um bujão de gás.

Um mexicano desdentado entra no bar e pergunta pro anão onde pode encontrar um travesti.

Dois mexicanos bêbados entram no bar e vão para o balcão, onde um deles se senta em cima do anão travesti que estava conversando com o Mineirinho.

Um mexicano chega a Niterói e pergunta ao Mineirinho onde fica a estátua de Cristo.

Cristo está numa tenda curando os doentes quando chegam um fanho e um aleijado.

Um fanho aleijado espera na fila do Céu.

Nove borboletas voam de lado quando de repente uma dá uma pirueta, bate numa árvore e cai.

Um alemão, um inglês, um português e um brasileiro são os finalistas do concurso de pegar borboletas.

A borboleta vinha andando pela rua quando topa com um grilo.

A formiguinha vinha andando pela rua quando topa com um elefante.

Dois elefantes andam pela floresta até que um deles solta um pum.

O que o Tarzan disse pra Jane quando viu os elefantes correndo pela floresta?

O que a Jane disse pro Tarzan quando viu os elefantes correndo pela floresta?

O que é um pontinho preto no meio de uma bola verde?

O que é um pontinho escuro em cima de uma mesa de madeira?

Conhece a piada do não-nem-eu?

MURTONY CONFIRMADO

União dos dois maiores prêmios do cinema mundial agita meio cinematográfico

Folha de São Paulo – Sucursal de Paraty

No salão de uma das pousadas mais caras de Paraty, pequena e simpática cidade turística do Rio de Janeiro, a agitação dos jornalistas era tanta que o calor superava a refrigeração ambiente. Sentados diante de uma mesa, sorridentes e silenciosos, Lucas Murtinho e Antônio Azevedo saboreavam a comoção causada pelo anúncio da união dos dois maiores prêmios de cinema da atualidade, a Murta de Ouro e o Tony de Ouro.

“O primeiro MurTony de Ouro será entregue em breve”, anunciou Azevedo, que se recusou a revelar a data exata da premiação. “Como sempre, o melhor do cinema mundial estará representado entre os vencedores.”

Apesar dos boatos relativos à união dos prêmios, boa parte da indústria descartava tal possibilidade, pois a Murta de Ouro surgiu como concorrente direto do Tony há pouco mais de um ano.

“Nunca houve briga alguma. Tony e eu somos amigos de longa data, e não deixamos algumas poucas divergências sobre cinema atrapalhar essa amizade. O resto é invenção da imprensa para vender jornal. Quarenta e seis”, disse Murtinho, que não explicou a estranha referência numérica.

Os dois grandes nomes da premiação cinematográfica explicaram que uma comissão será formada para avaliar os candidatos e escolher os premiados. Possíveis membros da comissão incluem Pedro Saud e Raquel Tessarolo, mas Azevedo e Murtinho também se recusaram a dar mais detalhes.

Repercussão

No mundo do cinema, a repercussão foi imediata. “Espero que Azevedo e Murtinho finalmente reconheçam meu talento”, falou Steven Spielberg, diretor de AI e O terminal, à FOLHA. “Conheço e aprecio o trabalho dos dois há muito tempo. Tony não responde mais aos meus telefonemas, mas ele deve estar com muito trabalho ultimamente.” O diretor americano continuou falando por mais cinco minutos, terminando a conversa muito depois do tempo devido.

Diretor de A vida é um milagre, favorito a ganhar o MurTony, Emir Kusturica exultou com a notícia. Infelizmente, uma banda de rua estava tocando na sala do diretor no momento da sua conversa ao telefone com a FOLHA, de forma que só pudemos compreender sua satisfação pelos gritos de alegria do outro lado da linha.

Murtinho e Azevedo retornaram ainda ontem para o Rio. Espera-se que mais informações sobre a primeira edição do MurTony sejam reveladas ao longo da semana.

Thursday, January 20, 2005

Bauhaus Dazibaos Kierkegaard Kindergarten (Bauhaus Dazibaos)

Neste exato momento nada me daria mais prazer do que bolar uma história na qual um rei de um país africano determinava no começo do ano as palavras que os poetas da tribo poderiam usar aquele ano. As palavras tinham que ser só três, uma tradição que vinha lá dos fundos tempos e que ninguém nunca tinha perguntado por quê, coisa, aliás, que nessa tribo era considerada uma indelicadeza, tanto que era punida com a castração do testículo esquerdo do mal-educado.

Durante tempos e tempos, aquela tribo foi feliz com seus poetas que só diziam três palavras, combinando-as em todas as combinações possíveis. Os bons reis escolhiam palavras fáceis de combinar, "aurora", "amor" e "alegria, por exemplo. Naquele ano, os poemas iriam ser:

aurora
alegria
do amor

Ou:

amor
aurora
da alegria

Nem faltaria algum poeta mais ousado que arriscasse:

alegria
amor
da aurora

Nesse anos, o povo era feliz, a chuva vinha no tempo e na medida certa, a terra dava cem frutos por um e o povo era feliz junto com seus poetas.

Mas havia reis cruéis, reis que escolhiam palavras difíceis de combinar. Havia até um, na tradição, que tinha inflingido aos poetas do seu povo as palavras "inclusive", "quase" e "talvez". Triste ano foi aquele, parco de messes e ralo de poesia.

Depois desse tempo, veio a época dos reis fracos, reis que já não tinham a mesma força de autoridade dos reis de antigamente.

Os poetas conseguiram assim a vantagem de fazer poemas com mais palavras. Uma verdadeira festa o dia em que os poetas conseguiram o direito de fazer poemas com dez palavras.

Com o passar do tempo, os poetas foram aumentando o seu poder, fazendo poemas com cada vez mais palavras.

Até que um dia foi necessário admitir, dá pra fazer poesia com quantas palavras o poeta quiser.

Mas a poesia nunca foi tão boa quanto na época em que tinha que ser feita só com três palavras.

Paulo Leminski

Friday, January 14, 2005

Send a message to God

Artigo da Slate sugerindo uma nova forma de se lidar com Deus. Nada de preces para o bastardo até que ele comece a se comportar direito. Mais um maremoto e o substituímos pelos gregos, que tal?

Thursday, January 13, 2005

TVUAN X SPLHCB

Uma das numerosas qualidades do livro de Joe Harvard sobre o primeiro disco do Velvet Underground é a qualidade da pesquisa, com uma bela bibliografia e muitas notas de rodapé - Harvard chega a fazer um reproche algo vaidoso sobre a falta de referências às fontes originais em livros sobre rock. E é uma curta citação, cuja referência fico devendo, uma das partes mais interessantes do livro, comparando The Velvet Underground and Nico com Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. A idéia é que, apesar de lançados no mesmo ano, os dois discos parecem pertencer a eras distintas: enquanto o álbum dos Beatles ficou datado, o do Velvet pertence aos tempos atuais.

É claro que a afirmação pende para o lado pró-VU, mas na verdade não há julgamento de valor envolvido. Ser datado não é necessariamente um problema, especialmente se a intenção do artista é representar sua época. O vermelho e o negro é um livro datado, mas se não fosse perderia boa parte da sua graça, a parte que vem do retrato que faz da França pós-Napoleão. A fogueira das vaidades não tem nem vinte anos e já é datado: Tom Wolfe queria passar a atmosfera de Nova York do fim dos anos 80 para um romance e foi bem sucedido. Como advoga o Alexandre Cruz Almeida, temos que dar aos Beatles o benefício da dúvida (eles certamente fizeram por merecê-lo) e concluir que, se Sgt. Pepper's é datado, é porque a intenção era essa. E não é por ser datado que o disco deixa de ser ótimo.

Num post sobre o mesmo assunto, o Tija concorda com a citação e diz que o Velvet está no seu tempo hoje. Desconfio que, musicalmente, isso será sempre verdade. Em termos temáticos, eles já não são a banda ultrajante que eram, mas merecem muitos pontos pelo pioneirismo nas letras inteligentes sobre temas espinhosos. Joe Harvard diz tudo quando diz que hoje em dia é fácil escrever sobre comprar drogas na rua, injetar heroína ou servir de escravo para uma Venus in furs - mas em 1966, quando os Byrds tiveram problemas por causa de Eight miles high e McCartney não revelava a ninguém o nome da musa de Got to get you into my life, tinha que ter colhão.

Wednesday, January 12, 2005

The Velvet Underground and Nico

Um dos presentes de Natal que minha namorada me deu foi um livro de bolso, de umas cento e cinquenta páginas, sobre o álbum de estréia do Velvet Underground. Foi escrito por Joe Harvard, um produtor de Boston, e faz parte de uma série sobre discos que inclui livros sobre "Meat is murder", "The piper at the gates of dawn", "Dusty in Memphis" e "Forever changes". E é genial.

O livro é organizado em três partes. "Settings", a primeira, é sobre a gravação do disco, detalhes técnicos, o histórico anterior da banda e, de quebra, um relato pessoal do autor sobre seu "relacionamento" com o álbum. A segunda parte, "Songs", analisa uma por uma as onze músicas do disco. E a última, "Aftermath", é sobre o que aconteceu após o lançamento do disco, os problemas com a distribuição, o sumiço das prateleiras, os três anos sem tocar em Nova York e, anos depois, a consagração.

Harvard às vezes exagera nas gracinhas, mas em geral o texto é genuinamente divertido. O pricipal feito do produtor, porém, é evitar o blablablá excessivamente técnico, deixando-o restrito aos momentos indispensáveis (como ao explicar o overdubbing) e sendo bem didático ao usá-lo. Para amantes de música leigos como eu, um achado. Harvard também tem uma ou duas idéias bem interessantes a respeito da banda, colocando Lou Reed no seu devido lugar (um dos gênios do pedaço, mas de forma alguma o único) e defendendo a importância de Andy Warhol e Nico para o disco, embora seus argumentos em favor da cantora sejam bastante vagos.

Velvet Underground é uma banda que está crescendo aos poucos e há muito tempo. Quando ouvi o disco de estréia pela primeira vez, ainda no segundo grau, não achei nada de mais, e foi preciso reencontrar Heroin na trilha sonora do filme The doors para voltar ao disco e descobrir todo o seu poder. A caixa Peel slowly and see, com cinco cds, muitas músicas bônus e um ótimo texto de David Fricke, me fez conhecer os outros discos da banda, o furioso White light/White heat, o suave The Velvet Underground e o pop Loaded. Faz algum tempo, ao ser perguntado sobre qual banda eu escolheria se só pudesse escutar uma pelo resto da vida, me surpreendi elegendo o Velvet. O texto de Joe Harvard parece ser mais uma etapa no caminho que, daqui a talvez não muito tempo, vai me fazer considerar o VU a maior banda de rock que já existiu. A conferir daqui a uns dez anos.

3,5/5

Monday, January 10, 2005

Pequenas tragédias, expandido

Minor mishaps - a clogged drain, running late for an appointment - send me into a sky-is-falling-tizzy. It's a trait that can leave one ill equipped for coping when the sky actually falls.

O trecho acima é da introdução de In the shadow of no towers, de Art Spiegelman - não exatamente uma história em quadrinhos e sim um conjunto de dez grandes páginas desenhadas à maneira dos mestres do fim do século XIX/começo do século XX, como Winsor McCay ou Richard Outcault. Spiegelman, nova-iorquino de carteirinha, se refere, é claro, ao 11 de setembro, quando o céu asterixianamente caiu sobre a cabeça do mundo ocidental, particularmente de quem vive na capital do mundo. Mas o que me interessa é saber que estou em boa companhia no que diz respeito a meu pendor por pequenas tragédias.

Minha namorada às vezes se espanta. Mas foi só uma borracha que você perdeu, ela argumenta, tentando sufocar o riso diante do ridículo da situação. Não adianta, perder coisas me tira do sério. Desde pequeno sou considerado, pelos outros e por mim mesmo, distraído, desastrado e incapaz de fazer uma quantidade absurda de pequenas tarefas práticas. Consegui melhorar bastante nos últimos tempos, a não ser em relação ao terceiro problema; mas de vez em quando sofro recaídas graves. Uns dois anos atrás perdi dois estojos em um mês, talvez menos. Ao longo da faculdade perdi um ou dois guarda-chuvas (que não contam, né?) e dois dos meus casacos favoritos. Cada ocasião me deu uma raiva irracional, violenta e frustrante, já que eu só podia culpar a mim mesmo.

Por outro lado, pequenas tragédias causam um complicado achatamento do espectro de emoções humanas. É o problema citado pelo Spiegelman: se um ralo entupido é encarado como o fim do mundo, o fim do mundo será encarado como o quê? Problema semelhante ao levantado por João Moreira Salles num dos capítulos da sua ótima história idiossincrática da simplicidade, publicada pelo antigo No.: se Beleza americana é considerado uma obra-prima, o que é Apocalypse now?

A pergunta do João é muito boa e talvez mereça um comentário em outra ocasião. Quanto à pergunta do Spiegelman, a resposta que encontro é que nós, trágicos do pequeno, nos tornamos bem menos trágicos quando a situação é séria, when the sky actually falls. Os outros são totalmente surpreendidos pelo sentimento que os aflige quando algo realmente desastroso acontece. Nós, não. Nós pensamos, ou passamos por um processo inconsciente que equivale a pensar: ei, estou sentindo o mesmo que senti quando perdi aquela borracha. Mas perder a borracha é uma bobagem (à raiva, os trágicos do pequeno têm que somar a consciência do ridículo), então talvez essa queda do céu não seja tão grave assim. Fazer tempestade em copo d'água exagera o trivial, mas também, e de forma mais perversa, apequena o importante.

Bom, acho que é o que acontece comigo. O próprio Spiegelman, se acreditamos que In the shadows of no towers é um retrato acurado das suas reações diante do 11/9 & consequências, teve uma reação digna do fato, ou seja, praticamente enlouqueceu. Sucumbir às tragédias pequenas não o levou a achatar seu espectro emocional, e sim a deslocá-lo violentamente para cima. Não é o meu caso.

No fim de 2000 eu esperava o resultado da minha primeira prova de vestibular, para o Ibmec. O resultado sairia no sábado e eu estava razoavelmente tenso sexta à tarde, até que descobri que uma caixa com vinte dos meus melhores cds não estava na minha mochila. A tensão pelos cds perdidos foi muito maior do que a anisedade por uma informação que poderia ser muito importante para o meu futuro. Passei em primeiro lugar geral no Ibmec, e fiquei obviamente contente, mas meu alívio por saber que os cds estavam em segurança na casa do meu pai foi bem maior. A pequena tragédia deixou meu futuro em segundo plano.

Talvez, porém, aquele alívio represente uma (única?) vantagem de se deixar levar por pequenas tragédias: assim que você encontra aquela borracha perdida, é tomado por uma sensação de grande alegria. Que não faz o menor sentindo, mas está lá mesmo assim.

Ah, sim

http://femeadecupim.blogspot.com/atom.xml

O feed de RSS para este blog. Nem eu sabia que existia, até sexta passada.

Autocrítica e dúvida

Muito Soares Silva esse último post. Nada contra o rapaz, que é ótimo, e sim contra imitadores baratos.

Autocrítica é com hífen?

A ajuda de Jimmy Carter

No Jornal das Dez, Globo News, ontem: o único problema mais grave registrado ao longo das eleições palestinas ocorreu quando alguns milhares de eleitores tiveram que esperar no posto de votação devido a [não lembro o quê]. Com a ajuda de Jimmy Carter, o problema foi resolvido.

Primeira imagem que vem à mente: um grupo de eleitores palestinos angustiados pela impossibilidade de participar de mais uma festa da democracia. A tensão aumenta no recinto, alguns impropérios em árabe (uma das melhores línguas do mundo para impropérios) são lançados, e quando parece que as coisas vão esquentar de vez alguém distingue uma forma difusa singrando os céus. É um passário? É um avião? Não, é Jimmy Carter! Ele explode pelo teto e aterrisa numa clareira aberta pelos palestinos embasbacados, que para dar espaço ao nosso herói tiveram que esmagar contra a parede alguns compatriotas, que já foram medicados e passam bem. Carter, terno, gravata e capa imaculados em meio ao entulho que ainda cai do teto, encosta os punhos fechados nos quadris e lança em voz altissonante: What's the catch, boys? Um palestino mais corajoso avança alguns passos na direção de JC e, num inglês com sotaque turco (atores palestinos estavam em falta), explica: We can't vote, Mr. Carter! JC olha para o alto com uma máscara metafórica de preocupação no rosto. Lads, it seems democracy's at stake here. Let's show 'em what we're made of! A multidão abre caminho para JC invadir a sala de votação, onde malignos terroristas árabes (ou soldados israelenses, escolha sua posição política) tomaram as urnas como reféns e ameaçam estourar seus miolos se Carter ou qualquer outro ariano decidir forçar as pérfidas instituições democráticas goela do Oriente Médio abaixo. The tyranny days are numbered, you damn fascists!, grita Carter pouco antes de cobrir seu corpo com a capa vermelha (combinando com a gravata) e girando em velocidade furacônica na direção dos apavorados terroristas, que largam as armas e ajoelham em reconhecimento da grandez norte-americana. C'mon, children, here's your ballot, here's your pen, let me stamp your hands, don't worry, it'll come off within two days, haha, the poor dumb boys, they wouldn't know two-day ink if it kicked 'em right in the nuts. Mas logo surge a imagem da águia no céu e JC tem que se encontrar com o comissário Gordon nalgum telhado imundo de Jerusálem Oriental. Not the ukranians again, I hope.

O que provavelmente aconteceu: Jimmy Carter salta do Mercedes preto com ar condicionado, sorrindo e olhando para todos os lados, apertando as mãos de palestinos confusos (alguns checam para ver se o bom homem não teria deixado um dólar entre seus dedos suados). So, is everything alright here? Why the comotion?, o grande homem pergunta, ao que responde um funcionário palestino, em seu carregado sotaque turco (é o mesmo ator, Mr. Carter é bem seletivo escolhas de elenco de apoio): There's a small problem, Mr. Carter, with the (não lembro o quê, já disse). Carter pisca duas vezes e sacode quase imperceptivelmente a cabeça: Oh, boy. I hope it's nothing serious. O funcionário palestino tranquiliza o ex-presidente americano, dizendo We got it under control, sir. These damn palestinians will have to wait a while, but they won't let this small incident affect their quest for democracy. Fine, responde Carter, fazendo uma mental note para demitir o coadjuvante que lhe roubou a frase de efeito. E sem se despedir dá as costas ao pobre rapaz, acena algumas vezes para os palestinos e retorna à Mercedes, cujo ar condicionado dá sinais de cansaço. Fucking germans.

Sunday, January 09, 2005

Pequenas tragédias

Eu tento me controlar, dizer que não é nada, mas não consigo. É odioso quando alguma parte do livro, capa ou páginas, dobra dentro da mochila, deixando-o marcado. Aconteceu recentemente com a capa de dois livros de bolso, um francês e um nacional, bonitinhos mas nada esteticamente sensacional. Fico puto mesmo assim.

Saturday, January 08, 2005

Links - Update

Reaprendi a fazer links. E também que sou uma besta, porque fazer links no Blogger é muito fácil.

Estourando o champanhe

Após três meses de funcionamento oficial e um mês de funcionamento efetivo, este blog recebe seu primeiro comentário - descontando um da minha namorada por pura piedade e outros do colega Antônio "Tony" "Tija" Azevedo, do Daumier Smith. Melhor ainda, o comentário é do Alexandre, dono daquele que talvez seja o blog mais interessante do Brasil, o Liberal Libertário Libertino. Eu sei, é só um comentário, no reason to make a fuss about it. But I'm doing it anyway.

Friday, January 07, 2005

Pessoas na piscina

Do meu trabalho, na torre do Rio Sul, pode-se ver o topo de vários prédios de duas ruas, a Lauro Müller e a Ramon Castilla. Minhas duas avós moravam na Lauro Müller; uma delas ainda mora, a outra morreu há pouco mais de um ano e agora minha tia vive no mesmo apartamento. Os prédios da rua são velhos, baixos, muitos não têm garagem e outros não têm vagas para todos os condôminos. Há uma briga grande e silenciosa entre os moradores da Lauro Müller e os trabalhadores do Rio Sul, poque os últimos, parando seus carros na rua, deixam os primeiros sem lugar para estacionar.

Já os prédios da Ramon Castilla são mais recentes e mais altos. A própria rua é um pouco mais elevada do que a Lauro Müller, embora daqui de cima a diferença de relevo não seja perceptível. Acho que todos os prédios da Ramon Castilla têm garagens, e alguns têm terraços com espreguiçadeiras e piscinas.

A não ser nos dias de chuva ou tempo muito ruim, quase sempre há alguém em pelo menos uma das piscinas da Ramon Castilla. E quando há uma pessoa quase sempre há outra: um casal de namorados, um grupinho de crianças, duas amigas conversando. A secretária da empresa me contou que uma vez viu um casal se agarrando ardentemente na piscina do prédio baixinho, o primeiro da rua olhando daqui. De vez em quando, há alguns solitários, deitados numa espreguiçadeira ou de braços apoiados na borda da piscina, a cabeça pendendo pra trás, pegando sol.

Acabei de dar uma olhada pela janela: apesar de o dia estar bem bonito, só uma das piscinas está ocupada. É de um dos últimos prédios da rua e as pessoas estavam dentro da piscina, então não pude vê-las muito bem. Mas, pelo tamanho, acho que são crianças.

É claro que dá inveja, especialmente nos dias mais quentes ou quando há mais trabalho. Mas em dias como este, em que está tudo calmo na empresa e daqui a menos de duas horas vai começar o fim de semana, dá pra se sentir feliz pelas pessoas que têm esse luxo esquisito que é uma piscina de condomínio. E dá também pra se admirar com a cativante cara-de-pau dessa gente que em vez de estudar, trabalhar ou fazer qualquer outra coisa de útil reserva uma ou duas horas do dia para subir ao topo do prédio, entrar na piscina, encostar na borda com os braços e jogar a cabeça pra trás.


Thursday, January 06, 2005

A crítica ao autor e a crítica à obra

Outro problema são os críticos que centram sua análise sobre o autor e não sobre a obra. Às vezes, a prática gera artigos excelentes, como foi o caso de um texto do Mainardi do tempo em que se falava mal do Paulo Coelho. A comparação entre um dos livros do escritor (não lembro qual) e um par de meias sujas deixadas no banco da frente do carro era um achado. Mas, em geral, criticar o autor é uma dupla perda de tempo.

Primeiro, porque o autor não ganha nada. Se um artista lê um crítico dizendo que ele não sabe fazer o que faz, que ele é um artista ruim (e uma crítica ao autor, por mais elaborada, remonta a isso), o único conselho que ele pode extrair dali é que está na hora de se aposentar. A não ser que o artista tenha um ego minúsculo, o que seria um oxímoro, é implausível pensar que mesmo o mais respeitado dos críticos pudesse ter esse conselho acatado por mesmo o menos dotado dos indivíduos.

Segundo, o público também não ganha nada. Quem já conhece a obra do artista e a aprecia não deixará de fazê-lo por causa do crítico; quem já conhece a obra e não a aprecia não descobre nada de novo na crítica; e quem não conhecia a obra pode sentir curiosidade de conhecê-la, ou seja, termina fazendo o contrário do que o crítico está aconselhando. É a velha história da inexistência da publicidade ruim. Para um artista, nada pior do que ser esquecido. Se o crítico acha que é isso o que o artista merece, o melhor a fazer é calar a boca.

A crítica da obra, além de servir de um guia menos enfático ao público, é mais simpática ao artista. Se a crítica for realmente boa, ele vai reparar em aspectos da sua obra que lhe haviam passado despercebidos. Quanto às possíveis falhas apontadas pelo crítico, ele pode concordar ou discordar. Se concordar, terá a chance de se livrar dessas falhas em trabalhos futuros. Se discordar, terá uma idéia mais definida de o que é a sua obra e seu estilo. Saem todos ganhando.

Críticos

A maior parte dos críticos brasileiros escreve o pior tipo de crítica possível: opiniões. Mesmo a Barbara Heliodora, tão incensada, parece seguir uma cartilha para cada texto que escreve, passando por todos os aspectos de uma peça: atores, cenografia, figurinos, luz, texto. Seria muito bom se cada tópico fosse analisado com cuidado, mas não, só se diz se é bom ou ruim. Ou seja, o que temos no fim da crítica é uma sucessão de "gostei"/"não gostei" disfarçados de dogmas do bom senso. De quando em vez ela escreve um pouquinho mais, mas em geral é só.

A culpa, sabe-se bem, não é só dos críticos. O jornal dá um quarto de página pro cara, ele tem que saber como se virar. Não há espaço para digressões. Quem é bom de verdade, como o Jaime Biaggio, às vezes consegue, ou dá um jeito de cavar outro espaço pra debater filmes com mais vagar (http://oglobo.globo.com/online/blogs/cinema/). Quem é mediano escreve o que achou do filme e pronto.

Por isso é inicialmente gratificante ler as críticas de cinema escritas nos Estados Unidos que vez por outra pintam na Internet. O David Eldestein, da Slate, ou o A. O. Scott, do New York Times, ou o pessoal da Salon, escrevem críticas longas, dissertativas, citando outros filmes, analisando cenas, buscando interpretações. Perto do que é feito por aqui, é ótimo.

Mas, uma vez observados os julgamentos de valor desses críticos, a gratificação se esvai. Apesar da sofisticação da análise, é raro que eles não se limitem a ver o filme como uma forma de transmitir uma mensagem, não mais que isso. Um exemplo dos mais grotescos surgiu no Movie Club da Slate, ano passado. Todo começo de ano, David Eldestein reúne alguns críticos rola-grossa dos EUA para trocar emails ao longo de uma semana sobre os filmes do ano que terminou. O Movie Club sobre 2004 já está rolando, aqui, ó: http://www.slate.com/id/2111473/entry/0/. Ano passado, a respeito de Cold mountain, David Eldestein mencionou o email de um leitor que criticava O paciente inglês porque o personagem de Ralph Fiennes entrega documentos aos nazistas para salvar a personagem de Kristin Scott-Thomas. Será, dizia o leitor, que o diretor Anthony Minghella está nos dizendo que o amor é mais importante do que tudo, que podemos e devemos fazer pactos com o demo para salvar nosso amor? Não dá pra concordar com isso. E Eldestein aprovava o comentário.

Problema número um: Minghella não está falando que o amor é mais importante do que tudo, está contando a história de alguém que talvez pensasse assim. A visão do personagem não é a visão do autor, ora bolas. Mais importante: não é preciso concordar com o personagem para gostar de um filme, ou de um livro, ou de uma peça de teatro. Não acho legal a Medéia matar os próprios filhos só pra se vingar de Jasão, mas isso não torna a peça de Eurípides menos sensacional.

Problema número dois: se Minghella estivesse advogando a supremacia do amor sobre todas as coisas, qual seria o problema? Tampouco é preciso concordar com o código moral advogado pelo filme ou livro ou peça de teatro para admirar a obra. Arte tem pouco a ver com ética ou moral. Triunfo da vontade, de Leni Riefenstahl, pode e deve ser muito criticado por celebrar o partido nazista. Mas são críticas morais, que não deveriam afetar o julgamento artístico do filme. O mesmo vale para O nascimento de uma nação, de Griffith, que elege como heróis os simpáticos homens de capuz branco da Ku Klux Klan.

O principal problema de um crítico que discute apenas as idéias inseridas num filme é que logo ele, que deveria tentar ressaltar a importância da arte do cinema, relega-a ao segundo plano. O filme se torna uma imensa metáfora sobre a Guerra, ou a Política, ou o Sexo, e o crítico se põe a discutir essas metáforas, a confrontar sua visão de mundo com a que ele julga emanar do filme. E discutindo visões de mundo passa ao largo do cinema.

Wednesday, January 05, 2005

Thanks, Will

A frase já virou clichê, mas é tão verdadeira que vale a pena repeti-la: Spirit, de Will Eisner, é o Cidadão Kane dos quadrinhos. O Orson Welles das imagens congeladas morreu ontem.

Eisner e Welles estavam indubitavelmente à frente do seu tempo. Um desavisado que assista hoje a qualquer filme do diretor de Cidadão Kane é capaz de jurar que a produção é do ano passado. Welles foi um dos primeiros diretores a antever como seria a encenação cinematográfica moderna, um dos primeiros a captar seus atores no meio termo de ouro entre o teatralizado e o apático, e o primeiro a movimentar a câmera como se continua fazendo hoje. Os elementos básicos da gramática do cinema foram compilados por Griffith, mas foi Welles quem pela primeira vez utilizou esses elementos de forma perfeitamente fluida. Welles encheu a gramática de estilo.

Eisner fez o mesmo para a nona arte. É em Spirit que os quadrinhos descobrem todas as suas possibilidades estilísticas: os pontos de vista, o aproveitamento da página, quadros de tamanhos diversos, metalinguagem, todos os recursos que um quadrinista tem a mão são usados para contar a história da forma mais envolvente possível. Depois de Spirit, pouca coisa mudou nos quadrinhos mainstream: a série dos Novos X-Men escrita por Grant Morrison fala de temas diferentes, talvez mais ousados, mas o modo como a trama é revelada ao leitor é basicamente aquele que Eisner usava no fim da década de 30 para narrar as peripécias de Danny Colt.

Ele também foi um pioneiro da graphic novel – o termo é dele – ao lançar em 1978 Um contrato de Deus, a semente do que viria a ser a sensacional década de 80 para os quadrinhos. Nesse campo, seu nome não é tão grande: seus trabalhos carecem de substância, de sofisticação, e não se comparam a obras como Watchmen, Maus, Asilo Arkham ou as histórias de Sandman. Ainda assim, seu empenho foi indispensável para mostrar a editores e leitores mais obtusos que o quadrinho é uma arte tão poderosa quanto qualquer outra. Fosse só por isso, teríamos muito a lhe agradecer, mas ele ainda nos deixou as deliciosas histórias do Spirit como prova definitiva do seu gênio artístico. Muito obrigado a ele.

Monday, January 03, 2005

Deus

No fim de Watchmen, talvez a melhor história em quadrinhos de todos os tempos, escrita por Alan Moore e ilustrada por Dave Gibbons, Dr. Manhattan sai de cena. Ele é o único verdadeiro super-herói da história - os outros protagonistas seguem a linha do Batman, humanos muito bem treinados e equipados - mas seus poderes são vastíssimos, quase ilimitados: atravessa paredes, muda de tamanho, cria cópias de si mesmo, faz teletransporte, sabe o que vai acontecer no futuro. Dr. Manhattan, apesar de ser também homem, é deus.

No segundo volume da série, os antigos super-heróis se reencontram no enterro do Comediante e cada um relembra uma cena vivida com o morto. Dr. Manhattan recorda o fim da Guerra do Vietnam, que em boa parte graças a ele foi vencida pelos americanos. Ele e o Comediante conversam num bar abandonado quando uma vietnamita grávida surge para interpelar o último, que diz a ela que está indo embora. Furiosa, a mulher quebra uma garrafa e rasga o rosto do Comediante, que responde sacando a arma e dando um tiro no peito da mulher. Dr. Manhattan balbucia algo sobre tiros numa mulher grávida, e o Comediante responde: você podia ter evitado tudo. Podia ter parado a bala, me teletransportado pra Marte, transformado a garrafa em flocos de neve. Mas você ficou olhando. Você não dá a mínima pra ninguém.

Mais tarde, no fim do décimo-primeiro volume, há a reprodução de uma entrevista de Adrian Veidt, o Ozymandias, em que o jornalista pergunta a ele sobre suas inclinações esquerdistas em oposição ao direitismo de outros heróis, como Rorschach, o Comediante e o Dr. Manhattan. Veidt interrompe aí o jornalista e lhe pergunta se ele prefere formigas vermelhas ou pretas. Diante da confusão do repórter, arremata: é assim que Manhattan vê os seres humanos. Ideais políticos não fazem a menor diferença para ele.

E no décimo-segundo e último volume da série, quando Ozymandias e Manhattan têm sua última conversa, o segundo diz que recuperou o interesse pela vida humana. Tanto que talvez até crie alguma. Pouco depois, desaparece.

Watchmen tem tantas qualidades que mereceria um post, um livro, uma biblioteca só para si. Quero destacar da obra apenas os três momentos acima, que formam um dos melhores e mais concisos comentários que conheço sobre a figura de deus nas grandes religiões de hoje.

Todo mundo que conhece um pouco de mitologia grega (ou nórdica, ou egípcia) sabe que os deuses costumavam ser bem mais variados e divertidos. Por um ou outro motivo, as crenças politeístas perderam terreno e surgiu nos céus a imagem de um deus que, ao menos para os cristão, é onipotente, onisciente e misericordioso. O conforto desta crença é palpável: Deus pode tudo, sabe tudo e é bonzinho. Ninguém resumiu melhor do que Heinrich Heine: God will forgive me. It's his job. (A frase original muito provavelmente é em alemão.)

Os problemas começam quando se comparam crença e realidade. Por que um deus que pode tudo e só quer o nosso bem permite o maremoto no sudeste asiático, ou o terremoto de Lisboa, ou o escravismo, ou o genocídio em Ruanda, ou Auschwtiz? Uma possibilidade de resposta é dizer que não fazer o bem não é fazer o mal: Deus será inerte, mas jamais cruel. É uma resposta que joga na defensiva enquanto escapa pela tangente. Uma característica implícita do deus cristão é a ausência de necessidade de esforço (Deus não fica cansado). Não custaria nada a ele salvar os indonésios, lisboetas, africanos, judeus e tutsis. Não seria difícil separar os bons dos maus - por que fazer no Apocalipse o que se pode fazer hoje?

Mas temos o livre-arbítrio, que nos distingue, seres humanos, dos anjos e das bestas. Fazemos como queremos. Se queremos ser maus, a escolha é nossa. Mais tarde seremos julgados. Deus não impede nossas ações, nem nos guia para o caminho correto. Cabe a nós encontrá-lo e escolhê-lo. No fim ficamos sabendo se acertamos ou não.

Até consigo, teoricamente, concordar com a possibilidade de um deus como o do parágrafo acima. Mas não consigo aceitar que ele seja misericordioso. Misericordioso seria um deus que desde o nascimento protegesse os bons e punisse os maus; ou melhor, um deus que apenas negasse o mal e nos desse o livre-arbítrio sem o gene da maldade. Se alguns somos maus, é porque Deus não se importa com isso, pois se se importasse poderia mudar as coisas. Um deus que não se importa com a maldade talvez não seja mau em si, mas certamente não é misericordioso.

Paul Krugman escreveu um artigo chamado The eternal triangle (http://www.pkarchive.org/trade/triangle.html) sobre a impossibilidade de conciliar liquidez (mobilidade de capital no curto prazo), capacidade de ajuste (em termos de política monetária) e estabilidade (câmbio pouco sujeito a alterações). Uma das três desejáveis características deve ser abandonada, não importa qual seja o regime monetário internacional. Misericórdia, onipotência e mundo imperfeito também são um triângulo impossível. O mundo imperfeito sabemos empiricamente que é uma realidade: para criar um deus plausível, precisamos sacrificar uma das duas características restantes.

Pode-se descartar a onipotência de Deus. Neste caso, algo - o Diabo, outros deuses ou o simples acaso - impede que nosso eternamente misericordioso criador faça deste mundo um paraíso terrestre. O próprio Dr. Manhattan, embora possa ver o futuro, é incapaz de mudá-lo: mesmo as suas reações, mesmo a surpresa que ele deve sentir quando sua mulher lhe conta que está vivendo com outro é incontornável. Um Deus sujeito ao acaso, jogando dados com o universo, assistindo angustiado à morte de milhares, tem um grande potencial dramático. Mas de certa forma retoma as antigas e derrotadas crenças politeístas.

Prefiro a alternativa dos homens-formiga. Somos a imensa fazenda de formiga de Deus, possivelmente apenas mais um apetrecho num enorme quarto de criança. Às vezes ele não esá olhando, às vezes nos sacode, às vezes pisa sobre a terra. Ele pode fazer qualquer um de nós fazer qualquer coisa, mas se você pudesse manipular os atos de uma formiga, o que faria? Pois é. Se eu acreditasse em deus, acho que acreditaria num deus como esse. Onipotente, mas tão desinteressado que no fim das contas poderia muito bem não existir.

O dinheiro não é nosso

O Alexandre Cruz Almeida, do Liberal Libertário Libertino (http://liberallibertariolibertino.blogspot.com), é mestre em criar, incentivar ou descobrir polêmicas. Uma das últimas surgiu de um artigo no site do Ayn Raid Institute, escrito por David Holcberg (http://www.aynrand.org/site/News2?page=NewsArticle&id=10688&news_iv_ctrl=1021), dizendo que o governo dos Estados Unidos não deveria enviar dinheiro para auxiliar as vítimas do maremoto no sudeste asiático. O raciocínio é simples: o dinheiro de que o governo dispõe não é dele e sim dos contribuintes; portanto, tal dinheiro deve ser utilizado para melhorar a vida dos americanos, não de africanos com AIDS ou indonésios ou europeus após a Segunda Guerra.

A primeira falha no raciocínio de Holcberg está no início: o dinheiro do governo é do governo mesmo, não nosso. Imposto não é roubo. A imensa maioria da sociedade considera o governo, na pior das hipóteses, um mal necessário. Ele funciona como um imenso condomínio, ao qual todos temos que contribuir e cujas decisões todos devemos acatar – embora possamos criticá-las e, através do sistema político, alterá-las. O importante é lembrar que o dinheiro do condomínio é do condomínio e não dos condôminos. Um condômino não pode exigir seu dinheiro de volta se os demais decidirem pintar o prédio, ou dar um presente ao porteiro, ou construir uma estátua do síndico no pátio.

(Um condômino, por outro lado, pode se mudar. Seria simpático dar a cada cidadão a escolha de viver ou não sob um regime governamental, mas por razões práticas isso não é possível. Talvez os anarquistas pudessem arrendar uma ilha no sudeste asiático e viver por lá com um governo mínimo. Só não esperem ajuda em caso de maremoto.)

Além disso, Holcberg é ingênuo ao implicitamente considerar como frutos do altruísmo as diversas ocasiões em que os Estados Unidos deram auxílio monetário a outros países, como se não houvesse motivos egoístas para fazê-lo. O Plano Marshall, que Holcberg entrega de bandeja para quem não concorda com seus argumentos, é um exemplo clássico e óbvio: a idéia não era ajudar os coitadinhos dos europeus, e sim conter o avanço do comunismo. O cálculo político foi no mínimo tão determinante quanto os sentimentos humanitários para determinar a ajuda americana aos países europeus após a Segunda Guerra Mundial.

Ajudar vítimas da AIDS na África ou do maremoto no sudeste da Ásia, guardadas as proporções, é a mesma coisa. Seria politicamente muito ruim para os Estados Unidos se eles não oferecessem ajuda às vítimas do maremoto, e não foi à toa que o valor a ser oferecido aos países atingidos pela catástrofe foi decuplicado após uma grita generalizada contra a quantia inicial. Quando não há tal grita, é bem comum que os países, por mais necessitados, não consigam ajuda alguma. Ruanda está aí para provar. A noção de que o governo deveria gastar dinheiro apenas de forma a ajudar diretamente seus contribuintes, se ancorada em outro argumento que não “o dinheiro é nosso”, pode ser moralmente aceitável, mas é estrategicamente estúpida.